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domingo, 10 de outubro de 2010

Texto: ESTAÇÃO FINLÂNDIA

ESTAÇÃO FINLÂNDIA

O livro "Rumo a Estação Finlândia" de Edmund Wilson, publicado em 1940, é a história de uma idéia a de que o mundo social é uma obra dos homens e não dos deuses ou do acaso, e culmina com a chegada de Lênin a São Petersburgo em abril de 1917 para liderar a revolução comunista em curso na Rússia. O livro tem alguns achados. Wilson foi o primeiro a descobrir, ou pelo menos a enfatizar, a importância de Giambattista Vico na história da heresia revolucionária e a lhe dar na política o mesmo status que James Joyce, apaixonado pelas suas idéias sobre mitos e ciclos históricos, deu na literatura. (Na verdade o estranho napolitano que publicou a primeira edição de sua Nova Ciência em 1725 já foi redescoberto, desde então, como precursor de tudo, desde a psicanálise até o existencialismo, embora tenha vivido e morrido um católico devoto.) Mas o livro de Wilson tem muitas simplificações discutíveis e o próprio autor acrescentou os pósfácios desencantados de praxe das edições seguintes. É memorável principalmente pela imagem que lhe dá o título, da chegada de Lenine na estação Finlândia depois dos longos anos de exílio. O teórico da revolução chegando ao fim da sua temporada de pregação e espera e desembarcando na sua conseqüência, pisando ao mesmo tempo no chão da pátria reavida e na sua idéia transformada em fato e paisagem. Todo intelectual no poder deve ter a cena como uma espécie de matriz sentimental, e deve ter o bom senso de manter as proporções. Ela nunca mais se repetirá exatamente assim.
Depois da chegada na Estação Finlândia, qualquer Estação Finlândia, há o inevitável dia seguinte, aquele longo dia no qual nenhuma idéia sobrevive com a sua clareza original e os fatos engolem as boas intenções. "Depois da estação Finlândia" podia ser o título da história do ocaso da experiência comunista e da história pessoal de gente como Wilson, que, quando perder a crença na suprema heresia humanista, a da possibilidade da transformação do homem pelo homem, perdeu a crença na própria razão. Wilson morreu acreditando que a racionalidade era um luxo para poucos, inaplicável no mundo. Vez que outra, em partes imprevisíveis do mundo, chega um trem numa Estação Finlândia e alguns entusiasmos se reacendem, mas é sempre o trem errado. Ou então chega no dia seguinte, e quem desce já é a desilusão.

(Lucimar Simon)

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