Páginas

domingo, 4 de julho de 2010

Texto: MARX E A DISCUSSÃO SOBRE A ALIENAÇÃO NA BUSCA FILOSÓFICA DE CHE GUEVARA

TEXTO: MARX E A DISCUSSÃO SOBRE A ALIENAÇÃO NA BUSCA FILOSÓFICA DE CHE GUEVARA

ROHAN

Trata-se de uma discussão sobre como levar adiante a Cátedra Livre Che Guevara na Universidade Popular Madres da Praça de Maio e um dilema: De um lado transformar a cátedra num espetáculo trazendo gente de fora, palestrantes renomados de esquerda. O que significaria uma perca de discussão já que os alunos inevitavelmente assumiriam posições passivas na condição de meros espectadores. De outro, que quem curse a universidade não venha simplesmente observar um espetáculo, que se possa trabalhar o assunto ao longo de todo o ano. Isto é um pouco mais difícil e arriscado, pois, implica maior perseverança, confrontar-se com textos as vezes nada fáceis, sem tempo para ler-los ao longo da semana e cansados do trabalho.

Em relação ao dilema optou-se por mesclar as duas possibilidades. Trazer gente famosa, convidados e convidadas, mas também ler, discutir e aprofundar coletivamente. Estudar definitivamente o que pensou e escreveu Che Guevara. Apesar de parecer pouco atrativo em relação a escutar uma grande celebridade é um desafio a todos que ao final do ano se tenha realmente discutidos os textos de Che. Nossos pensamentos convergem na necessidade da Universidade ser rigorosa e o rigor implica em estudo. Che era um grande estudioso e uma pessoa muito rigorosa. Tratemos de seguir seu exemplo em nossa vida cotidiana.

Alguns companheiros questionam: filosofia de Che? O que um revolucionário prático tem a ver com teoria? Não estamos de acordo com tais opiniões muito difundidas, não só na gente que pertence ao sistema capitalista, mas na gente que contraria esse sistema. Há uma concepção de que aquele que se dedica a estudar dentro das idéias revolucionárias, não é um verdadeiro revolucionário. Nesta concepção um verdadeiro revolucionário tem que ir a prática sem que essa prática deva estar abonada por um pensamento teórico. Uma idéia nefasta e muito perigosa que nos causa muito dano.

Che estava totalmente contra essa opinião, vejamos por quê: O anti-intectualismo tem conseqüências muito complicadas para a luta política. Pois, ao desprezar o estudo e ao menosprezar a teoria, acaba-se crendo em discursos que não tem solidez, que não tem uma perspectiva revolucionária, que em último caso jogam totalmente a favor do sistema. Um exemplo de tal discurso é o de Toni Negri ao afirmar que não existe mais imperialismo ou outros que afirmam ser necessária a união com “bons militares” para a tomada do poder.

Tais pensamentos só sobrevivem ainda hoje porque há, de maneira geral, um desprezo muito forte pela teoria. Somente superando esse obstáculo se conseguirá contrapor-se a hegemonia do inimigo. O próprio Che recomendava aos jovens e as jovens cubanas que estudassem. Apesar de suas tarefas na condução do processo revolucionário, de sua condição de ministro, este coordenava dois grupos de estudo. Num deles estudava matemática e estatística e noutro o capital de Marx.

Apesar de não ser filósofo, Che realizou discussões a respeito do pensamento de Marx. Os indícios dessas discussões podem ser observados numa carta enviada por Che a Armando Hart Dávalos em 04 de dezembro de 1965. Na carta, Che faz uma crítica de como o estudo da filosofia marxista se oficializou na URSS, na China e a na própria Cuba revolucionária. Faz então uma série de sugestões de como o estudo deveria ser implementado, de maneira alternativa, vinculado ao estudo da economia marxista. Para Che, andavam juntos: o estudo da economia, com o estudo da política e o estudo da filosofia. Um dos pressupostos teóricos de Che também presente na obra de Antonio Gramisc, Lukács e outros pensadores é pensar a sociedade em sua totalidade. O marxismo de Che se opõe a pensar o capitalismo e sua eventual superação revolucionária a partir de fatores isolados, defende, pois, uma visão totalizante.

Na sua correspondência com Hart, acreditava que era necessário um plano editorial específico para os cubanos, na medida em que todo o material estudado naquela época era oriundo dos comunistas franceses que por sua vez eram seguidores da União soviética. Sua crítica principal a esse tipo de marxismo era sua total desvinculação da história. Sendo um ladrilho pesado, quadrado e sem história. Orienta então a estudar a história para compreender a gênese do marxismo começando pelos Gregos.

Nessa época, anos 60, Che orienta a estudar Stalin. Somente os comunistas Chineses reivindicavam Stalim, pois, os da URSS haviam deixado de ser Stalinistas e adotado a política da “coexistência pacífica”. Tal política significava frear todas as revoluções no ocidente ou pelo menos não apoiar processos revolucionários que ocorressem na área de hegemonia norte-americana. Em seu plano Che orienta também ao estudo de Leon Trotsky. Este nem os Chineses e tampouco os soviéticos queriam estudar.

Como entender este plano de Che?

Por um lado Che planta a crítica a cultura política e teórica oficial da União Soviética, do qual eram fiéis seguidores os comunistas franceses muito difundidos em Cuba e de outro, ao dizer ser necessário estudar Leon Trotsky, Che se liberta das posições chinesas, latino-americanas e européias, criando outra via alternativa. Che não se sentia satisfeito com a cultura oficial do marxismo desse momento, se sentia incômodo. Estava numa busca que desse conta da realidade vivida naquele momento. Algo não encontrado nas posições soviéticas e chinesas.

“Em outra carta, dirigida ao semanário “Marcha”, Che polemiza e realiza uma série de observações políticas:“ È certo como diz a direita, que o socialismo oprime o indivíduo? È certo que, como dizem os conservadores, que para os marxistas o Estado é tudo e o homem és nada? È certo que Fidel Castro é um ditador e um burocrata? Temas que se represem hoje em dia já naquela época estavam em discussão. Che não se furta do debate e respondem todas essas questões e em relação a Fidel, diz que nem é um ditador nem um burocrata e sim um dirigente revolucionário. Che demonstra seu programa quando, distanciando-se de todo o pensamento marxista tradicional, seja ele soviético ou chinês, afirma que a principal tarefa da revolução não é o desenvolvimento das forças produtivas.

Que são as forças produtivas?

Na visão tradicional do marxismo, forças produtivas seriam o desenvolvimento da tecnologia e dos instrumentos de trabalho que permitam ao ser humano e a sociedade o domínio da natureza. Tal visão nem é mesmo a visão de Marx para o qual forças produtivas nada mais são do que a própria classe revolucionária.

Para o marxismo oficial a principal tarefa das revoluções é promover o desenvolvimento das tecnologias e dos instrumentos de trabalho para poder dominar a natureza e o principal obstáculo a isso é as relações de produção, que no capitalismo se expressam juridicamente a partir da propriedade privada. Romper com a propriedade privada seria, nessa visão, a principal meta dos revolucionários.

Guevara, indo de acordo com o que prega Marx em Miséria da Filosofia, entende que apesar da importância que tem o desenvolvimento da tecnologia a principal tarefa das revoluções é a libertação do homem e da mulher. A busca final está na classe revolucionária e não na tecnologia, apesar desta última ser imprescindível ao desenvolvimento de qualquer país. Não interessava a Che o comunismo meramente econômico se ao mesmo tempo não houvesse libertação do ser humano. A meta é libertar o ser humano de sua alienação.

No final de sua viagem ao Congo, antes de passar na Bolívia, Che entra em contato a filosofia de Hegel, elaborador do que conhecemos por “dialética”. Dialética é uma metodologia e uma teoria baseada nas categorias de “totalidade concreta”, de “contradição”, “sujeito” e de “mediação”. Para a dialética não se pode entender a sociedade à margem dos sujeitos e suas relações. A dialética de opõe a toda forma de positivismo, culto aos heróis e a toda a forma de entender a sociedade de maneira estática e imóvel. A dialética segundo Marx é “um método crítico e revolucionário” pois insiste no caráter histórico –transitório e superável- de toda a realidade, mesmo as que aprecem muito poderosas como o próprio capitalismo.

Che sabendo da influência que teve Hegel na obra de Marx e observando inclusive que alguns conceitos marxistas são importados da obra de Hegel, passa o ler diretamente.
È foco do estudo o conceito de alienação, que nasce com um viés econômico, oriundo do direito romano e é transmudado para um viés psicológico por Hegel, para definir aquele que deixa de ser uno para ser outra pessoa.

Uma série de textos de Marx intitulada manuscritos de 44 ficaram longo tempo sem serem explorados, iniciando-se seu processo sistemático de discussão a partir de 1960. Tem influência nesse processo a corrente da teologia da libertação que dominou parte da Igreja francesa e muitos teólogos influenciando da América Latina, que passaram a buscar em Marx respostas para os problemas sociais. As publicações de teólogos da Igreja Católica a respeito de Marx foram muito influentes para a intelectualidade do período.

Tais teólogos diziam que os Manuscritos de 44, em especial o fragmento que trata do trabalho alienado, confirmam de algum modo a cristã do mundo e da vida. Porque aí Marx dizia, segundo eles, que o ser humano e a sociedade contemporânea estão alienados, portanto perdido em si mesmo. A perdição segundo os teólogos seria o pecado. No final da história para Marx haveria a revolução comunista, que consiste em superar a alienação e na recuperação da essência humana perdida. Os pensadores cristãos em contraparte viam no fim o juízo final: varrer o pecado e recuperar o havia sido perdido. Essa é uma ótica de uma Igreja Cristã progressista. A Igreja oficial argentina, tampouco João Paulo II aceitariam tais analogias.

O trabalho alienado de Marx permite diferentes leituras, sejam elas cristãs liberais ou socialdemocratas. Essas são apropriações ou intentos de apropriações posteriores ao próprio Marx. Outro que pensava Marx e teve muita aceitação na América Latina foi Louis Althusser, traduzido por Marta Harnecker. Louis simpatizava com a visão de marxismo dos chineses. Dizia que dizia que a concepção de trabalho alienado que e de essência humana que estava sendo utilizada era pura ideologia. Segundo ele, tais conceitos não pertenciam a Marx e sim a pensadores anteriores. Não vamos encontrar a palavra essência humana nos escritos de Marx maduro (pensa Althusser). Logo, ele chegou a conclusão de que a categoria central ,ao redor do que gira todo o texto e o discurso do jovem Marx, não era marxista.

Sustenta Althusser que o humanismo é uma ideologia burguesa, da direita, não sendo uma ideologia revolucionária. Tais concepções serão re-utilizadas por Toni Negri por volta de 2002. Althusser escreveu um livro em 1965 e neste critica todos os pensadores que não estão afinados com sua linha de pensamento e alguns dirigentes de países de terceiro mundo os chamando de esquerdistas. O autor critica não os de direita, mas a esquerda e a todos os humanistas assim como Che.

A alienação é a perca de algo. Perde-se algo específico a um ser humano, que é capaz de distingui-lo de qualquer outro animal, sua capacidade de ser livre, de criar, que de reproduzir o mundo a imagem e semelhança do homem, transformando a natureza. Esta atividade livre e criativa é o trabalho. Não o trabalho tradicional sob o julgo do patrão, no qual a música que marca o ritmo pertence ao capital e sim o trabalho livre.

Alienação que é a categoria central de todo o texto de Che “O socialismo e o homem em Cuba” seria o processo mediante o qual o ser humano perde algo. Isso que é perdido torna-se independente do ser humano, cobrando autonomia, passando a reger-se por suas próprias leis e volta-se hostil, contrário. O ser humano que é verdadeiro sujeito torna-se um objeto. O que é objeto se transforma em sujeito e passa oprimir seu verdadeiro criador. Por isso a crítica de Che ao socialismo mercantil. Todo isto: o mercado, o capital, o estado são produtos do ser humano. Este estado que nos reprime, é um produto das relações humanas. Não é algo mágico. È um estado que escapou do nosso controle, que cobrou independência, que serve a outra gente, a outras classes e que é completamente hostil a nós outros.

Desta maneira Che apropria-se da categoria de alienação e da crítica humanista de Marx ao capitalismo. Contrariando todas as correntes de direita e esquerda de sua época. Por isso que Sanchez Vasquez sustenta que a reflexão de Che é realmente original e um dos grandes aportes ao marxismo mundial. Não é exagero. A proposta de Che vai à contramão de todas as grandes tendências da época.

(Lucimar Simon)

Nenhum comentário: