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domingo, 20 de junho de 2010

Texto: A POLÍTICA ARMADA: FUNDAMENTOS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA

A POLÍTICA ARMADA: FUNDAMENTOS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA.
PIERRE, H. L. S.

REVOLUÇÃO E INSURREIÇÃO

O autor inicia o texto falando que “nem todo movimento insurrecional é revolucionário”. A insurreição é o momento mais culminante da guerra revolucionária. “É o momento em que a massa revolucionária do povo, [...] armada e revoltada, toma a rua e o Estado, engolindo [...] as antigas estruturas e aparelhos de dominação, para deixar o campo limpo e adubado para novas formas de organização social”. (Ele vai discutir como “a insurreição foi se constituindo em um sofisticadíssimo instrumento da revolução”.) Historicamente a insurreição era resultado da reação espontânea da indignação das massas despertada pelo Estado. “Era uma explosão social sem nenhuma direção, apenas uma reação”. O que provoca a insurreição pode ser variado e circunstancial.

A liderança da insurreição “é alcançada e legitimada pela capacidade de mando demonstrada nos campos religiosos, militar, político, etc”. As insurreições espontâneas e inconscientes das massas levaram a classe dominante a perceber a “perigosa potencialidade de combate da massa enfurecida e insubordinada”. O que levou ao aperfeiçoamento do aparato repressivo dos dominantes para garantir sua posição de domínio e, concomitantemente, o povo aprendeu que “sua ação dependia da organização e preparação da violência desencadeada”. A insurreição já não podia ser espontânea, já que “as forças armadas governamentais foram materialmente muito bem equipadas pela classe dominante, e tática e moralmente treinadas para enfrentar e atirar no povo mal armada e pior adestrado”.

No século XIX a burguesia que havia assumido o poder pela sua prática revolucionária já não seria surpreendida pela suas próprias armas e nem cometeria os mesmos erros que permitiram sua ascensão ao poder. Agora ela passou a contar com um exército bem armado e disciplinado que reprimia as manifestações de rua. O sistema de contra-revolução que a burguesia desenvolvera era extremamente eficaz contra as insurreições desorganizadas das massas populares.

Daí a importância que Engels e Marx deram às questões militares: “para enfrentar a burguesia com alguma possibilidade de êxito, os revolucionários deviam estudar e aprender a arte da guerra desenvolvida por ela”. Devem estar atentos “à natureza das partes envolvidas no confronto, seu grau de organização, sua capacidade combativa, seus vínculos políticos, etc., e às circunstâncias próprias da ação”. Segundo Engels as massas insurgentes (povo) devem fustigar permanentemente as tropas reacionárias (do governo) e mantê-las na defensiva. Porque conter o avanço insurrecional é entregar a iniciativa ao inimigo, permitindo que ele reorganize suas tropas, concentre suas forças e despeje seu poder de fogo sobre as massas. O quartel da insurreição é a rua e sua estrutura dificulta manobras defensivas eficazes.

“O movimento insurrecional deve avançar por pequenas vitórias quotidianas, pois delas depende o espírito combativo das massas. A satisfação dos êxitos permanentes, por pequenos que possam ser, assegura a coesão popular e proporciona o ânimo necessário para continuar na luta”. Além de produzirem “efeitos devastadores nas tropas repressoras que começam a duvidar da vitória fácil sobre o povo mal armado, a vacilar sobre seu compromisso com uma causa que não sentem como própria, para finalmente se juntar aos esforços populares da insurreição armada”. O levante insurrecional deve ser largamente planejado para evitar o choque militarmente desigual com as forças reacionárias.

Para Lênin “as revoltas são a mais clara manifestação do descontentamento popular, que dão lugar à luta de greves organizadas e às manifestações políticas; temperadas ao calor da repressão, estas vão sendo reforçadas ou substituídas pela resistência armada. [...] Mas um passo decisivo para a vitória da insurreição é dado quando parte do exército regular se desprende e passa para o lado da revolução”. São as partes desse exército que formarão o embrião do exército revolucionário. Para Lênin o moderno exército burguês era a manifestação mais acabada da força, portanto a criação de um exército revolucionário indicava a apropriação, por parte do povo, da ciência guerreira da burguesia. Em seguida o autor passa a falar dos elementos constitutivos da insurreição: são os princípios estratégicos da insurreição a) ofensiva; b) oportunidade; c) unidade de comando; d) surpresa.

Ofensiva: O autor fala de dois sentidos diferentes que o conceito insurreição pode ter. Insurreição como fenômeno político que se caracteriza pelo longo processo de organização, dinamização e movimentação das massas; que pode estar composto de várias frentes, a política, a militar, a estudantil, a sindical, as milícias, as guerrilhas, etc.; e cujo objetivo final é a tomada de poder. Logo, nesse sentido político, a insurreição consiste uma totalidade estratégica que vai “desde a conspiração até o assalto final, a batalha decisiva”. Outra concepção de insurreição é a que a enxerga do ponto de vista estratégico caracterizado apenas pelo momento culminante do assalto final, do exercício político da tomada do poder, da revolta, da sublevação, a parte mais visível e virulenta da insurreição.

Tática e estratégia ofensiva ou defensiva: O autor discute a postura da insurreição quanto a uma postura ofensiva ou defensiva. A insurreição do ponto de vista estratégico deve ser defensivo (porque o poder de fogo do exército da classe dominante são mais fortes) e como momento tático, ofensivo. No desenrolar dos acontecimentos insurrecionais deve assumir alternadamente táticas ofensivas e defensivas a fim de preservar as próprias forças e atacar as forças inimigas. A guerra insurrecional deve ser no nível político, ofensivo (porque visa tomar o poder e por isso deve assumir iniciativa política); no nível estratégico deve ser defensivo (porque suas forças em relação ao exército da classe dominante são inferiores; deve resguardar suas forças para ganhar tempo para se fortalecerem); e no nível tático deve ser ofensivo (evitando posições defensivas fixas, já que essas seriam alvo fácil para maior poder de fogo do inimigo).

“Embora a estratégia geral da insurreição só possa ser uma estratégia defensiva – dada a desproporção desfavorável de força, [...] –, ela só admite o emprego de táticas defensivas móveis ou táticas ofensivas de intensidade de violência crescente até a vitória”. O emprego de táticas ofensivas não caracteriza, por sua vez, uma estratégia ofensiva. O movimento insurrecional só pode assumir uma estratégia ofensiva com a formação de um exército regular. Os confrontos devem ser planejados e avaliados para evitar derrotas: deve-se dar combate com a certeza da vitória. Assim a guerra revolucionária é uma guerra de movimento em que se revezam passos defensivos e ofensivos. A principal característica das insurreições vitoriosas é a sua mobilidade.

Oportunidade: “A oportunidade é a compreensão histórica do momento vivido. É a sensibilidade do ator histórico para perceber a correta maturação dos acontecimentos para colher os frutos esperados. [...] Aproveitar a oportunidade é agir na situação em que nossas forças se encontrem na máxima potência e as do inimigo minimizadas, que nossa possibilidade de êxito seja quase absoluta e a de fracasso, nula. Unidade de comando: “A fisionomia heterogênea dos movimentos de massa faz com que o êxito da insurreição dependa da coordenação das operações dos diferentes agrupamentos que fazem parte dela. [...] A centralização decisória é crucial para garantir o êxito de operações combinadas que requeiram a participação de diferentes frentes. Não há possibilidade de consolidar um triunfo militar sem comando unificado”.

Surpresa: resulta de duas características, o sigilo e a rapidez. É difícil lograr a surpresa no nível político porque as posições são claramente manifestas e atingem o nível da violência física quando os recursos pacíficos foram esgotados. No entanto, no nível das operações táticas a surpresa mostra toda sua eficácia. “A insurreição deve surpreender as forças reacionárias, mas não o povo”. Este deve ser objeto de um trabalho político prévio de esclarecimento e preparação. “A insurreição é apenas a manifestação explosiva de um longo processo preparatório na adversidade necessária da clandestinidade”. O autor fala ainda do dispositivo insurrecional definido por: a) estrutura; b)sistemas; c) comunicação e propaganda; d) inteligência; e) comando. Este “dispositivo insurrecional é a estrutura organizativa e operacional da insurreição”. São todas as forças socialmente operantes unidas intervindo positivamente no projeto insurrecional.

Estrutura: fala da quantidade de frentes que podem atuar numa insurreição pode ser grande e variada. “A correta coordenação das frentes é o que dá ao dispositivo [a insurreição] flexibilidade e mobilidade”. A organização das mais diversas frentes da insurreição “pode estar presente de maneiras diferentes em muitos lugares simultaneamente”. A versatilidade das frentes e sua articulação “pode, sincronizando operações isoladas, distrair o aparato repressor, como pode, realizando-as todas simultaneamente com ampla distribuição territorial, dividi-lo e isolá-lo, mas também pode concentrar todas suas forças em um único golpe para causar grandes estragos ou uma derrota decisiva”. “A flexibilidade do dispositivo consiste em poder golpear no momento adequado, com instrumento preciso, no local e com a força necessária”. Sistemas: fala da necessidade de se ter unidade da ação pela comunicação, inteligência e capacidade de mando quando se vai realizar o objetivo político claramente determinado. “A unidade da ação significa direcionar e concentrar o esforço de todas as frentes do dispositivo para satisfazer o fim estratégico”. Para que a insurreição seja eficaz deve ser caracterizada “pela univocidade decisória e a unidade de comando”.

Comunicação e propaganda: o autor fala que as massas são facilmente influenciáveis pela propaganda e por isso mesmo deve ser reforçado o caráter de sua conscientização na clareza dos objetivos e dificuldades de um confronto prolongado. Ele defende que “a comunicação é o sistema linfático do dispositivo”, ou seja, da insurreição. Porque “leva as informações e ordens do centro à periferia e vice-versa”. Ela deve ser amplamente difundida (para todas as frentes do movimento) e centralizada (tendo alto grau de coerência e unidade política). As ordens, mudanças de táticas, acontecimentos devem ser “rapidamente divulgados, de forma periódica, para todas as frentes” – por isso a importância da centralização. A comunicação deve ter uma linguagem o mais coloquial possível se se direcionar a um público geral da insurreição, mas também uma linguagem mais técnica específica para cada frente à qual se destina.

Inteligência: O autor defende que “o sistema de informação e inteligência representa o órgão sensível do dispositivo insurrecional”. É este sistema que os líderes da insurreição “obtém todos os dados necessários para ter uma noção o mais exata possível do funcionamento do próprio dispositivo, do meio geográfico e psicossocial no qual ele deve agir, e das características do inimigo”. A liderança e também as frentes devem conhecer o terreno em que vai se ter o confronto, a situação social da população, se esta é simpatizante ou não do movimento, e, sobretudo, conhecer intimamente o inimigo em sua vulnerabilidade e potência. Comando: a insurreição deve ter um comando político que deve dar unidade e direção política ao movimento; um comando militar para direcionar as forças sublevadas; e por fim, um comando supremo cujo caráter é político-militar que subordina os comandos anteriores e “que dá unidade política e direção militar a todo o movimento no seu caminho revolucionário”.

O POVO EM ARMAS – GUERRA POPULAR

O autor aborda a análise de Carl Von Clausewitz na teoria de armar o povo para enfrentar o inimigo invasor. Clausewitz formula cinco condições para o sucesso de uma guerra com o povo armado. 1) A guerra deve ser drenada para o interior do país, porque assim o soldado-cidadão que conhece seu próprio território pode se locomover, esconder e descansar sem ficar vulnerável ou dependente do exército regular. 2) O tipo de guerra adequado ao povo armado é de desgaste, de manobra, não apresentando frente fixa para que o inimigo consiga cercá-lo e aniquilá-lo. Deve vencer o inimigo pelo cansaço e não buscar a vitória num único combate. Deve atacá-lo nas suas linhas de provisões e não no grosso ou na parte mais forte do exército inimigo. 3) A guerra deve abraçar extensão considerável do território com o intuito de impedir que o inimigo o combate em uma frente única. Deve se espalhar no terreno obrigando o exército inimigo a penetrar no território dividido em várias frentes, enfraquecendo suas forças e debilitando sua capacidade de fogo. 4) As medidas tomadas devem corresponder ao caráter nacional. A guerra deve ser para a defesa do povo, da identidade cultural e moral da nação. 5) As características geográficas do país devem servir de teatro das operações. Quanto mais acidentado e grande for o território, maiores as chances de defendê-lo. Clausewitz defende que “o armamento do povo não é uma estratégia, mas sempre funciona como tropa auxiliar do exército regular”. Sua função é desgastar o inimigo.

GUERRILHA E REVOLUÇÃO

A guerrilha pode ser utilizada por uma política tanto revolucionária quanto reacionária. É sempre a definição política que caracterizará a guerrilha e não o contrário. Não é a tática que define o tipo de guerra, mas a política que a comanda. Florestan Fernandes defende que o Estado se desenvolve a partir de uma de suas estruturas burocráticas: as Forças Armadas. Ou seja, defende que o Estado se desenvolve a partir da guerrilha. Fernandes defende que o guerrilheiro ainda não é político. Pierre discorda. Ele defende o nascimento do homem político como guerrilheiro e discorda da idéia de que do guerrilheiro nasceu o político. Fernandes “transformou a guerrilha, que é uma tática de guerra e que, como tal, pode ser instrumento da ação revolucionária, em princípio estratégico e fundamento político da revolução”.

O autor cita Carl Schmitt que define quatro características que definem a singularidade do guerrilheiro: a irregularidade, a mobilidade, o intenso compromisso político e o caráter telúrico. “A guerra revolucionário não combate apenas o exército e o domínio político da classe no poder, mas também a ordem jurídica que fundamenta e dá-lhe suporte”. A irregularidade da guerrilha se dá do ponto de vista tático. É uma forma armada não regular, ou seja, “não possui nenhuma das características identificadoras do exército regular, como uniforme reconhecido, bandeiras identificatórias, hierarquia rígida, reconhecimento internacional” – logo, se difere das tropas regulares. A sua irregularidade só é definida por meio da regularidade de outrem, no caso, o exército regular se antagoniza com o exército irregular. A ilegalidade é própria da tática de guerrilha. Os meios que se utiliza nessa forma de luta é que caracteriza o guerrilheiro num “fora-da-lei”. Além disso, o guerrilheiro busca quebrar a ordem institucional vigente que o declara como um “contra a lei”.

O intenso compromisso político dos que compõem a guerrilha tem um único objetivo: a conquista do poder político. É esse objetivo que não caracteriza o guerrilheiro como um criminoso e a guerrilha como atividade criminosa, pois ao contrário dos bandidos, não se utilizam da guerrilha para obter lucro fácil. A mobilidade tática é essencial na tática de guerrilha porque assim o guerrilheiro pode surpreender o inimigo com ataques rápidos e novamente sumir sem deixar rastros. O guerrilheiro, ao contrário do exército regular se caracteriza pelo mínimo de apetrechos bélicos possíveis, justamente para facilitar sua mobilidade. Ele “não precisa de grandes estradas para se locomover, nem de grandes acampamentos para descansar, nem de grandes linhas de abastecimento para comer”. O caráter telúrico se refere ao objetivo da guerrilha em defender sua terra do inimigo invasor: é o uso da idéia de defesa da pátria. Esse caráter telúrico da guerrilha se perde com Che Gravara que transforma a teoria da guerrilha ao defender que o mundo é o gigantesco teatro no qual ocorreriam as operações, já que a guerra não deveria ter caráter nacional, mas internacional, universal contra o inimigo imperialista. A revolução era uma causa universal em defesa da liberdade. A guerrilha tem por objetivo tático na guerra revolucionária “criar focos político-militares de resistência que, a partir da propagação e da criação de uma base fixa, consigam se desenvolver e crescer até formar um exército regular que possa buscar a decisão por meio do combate”.

(Lucimar Simon)

4 comentários:

Diana Carla disse...

Hoje o sono desapareceu...só passando para ler!

bjinhus...

Lua Nova disse...

Estou aqui também. Gosto muito de história. Nem sempre terei tempo de ler tudo, mas virei sempre que puder.
Gosto do seu estilo, gosto muito de seus comentários. Você é um cara que tem o que dizer e isso não é tão fácil assim de encontrar.
Uma semana soberba pra vc.
Beijos.

REPENSANDO A HISTORIA disse...

Oi Di, bom ter vc por aqui.

REPENSANDO A HISTORIA disse...

Lua, seja bem vinda, sei que aqui os textos sao mais longos e mais cansativos de ler, é mais uma ferramenta para pesquisa e exposiçao de textos e trabalhos que realizo na universidade.
mas é muito ter ter vc por aqui volte sempre que poder e quizer.