Texto - (Paulo Barsotti e Terezinha Ferrari) A PROPÓSITO DE CUBA E DA REVOLUÇÃO
As repostas surpreendentes que Cuba vem dando aos seus dilemas históricos têm provocado fascínio e expectativas desde o enfrentamento secular a vastos impérios: coloniais, neocoloniais e estalino-czarista até a tenaz resistência de seu povo à queda do leste europeu, sempre lutando pela sua autodeterminação nacional jamais desligada do espírito internacionalista. O que intriga e fascina é como o povo cubano ainda se mantém fiel aos compromissos e conquistas da revolução de 59, quando outros Estados mais avançados materialmente, sempre lutando pela sua autodeterminação socialista, desmantelaram-se como castelo de cartas.
Refletir sobre Cuba é imperativo, trata-se de buscar o entendimento desta forma social híbrida, que ainda resiste como o momento privilegiado à crítica ao estalinismo e à retomada do genuíno pensamento de Marx. Até finais do século XVIII, quando outras colônias do império luso e espanhol se desenvolviam com a extração de minérios ou da agricultura-exportadora, Cuba cumpre importante papel como entreposto comercial e militar elo de mediação entre as colônias americanas e a metrópole hispânica.
O internacionalismo de Martí sustentava-se não só na construção de uma nação politicamente independente como também na emancipação do predomínio econômico norte-americano. A revolução cubana de 59 realiza uma proeza: uma revolução democrática e popular fortemente marcada pela afirmação popular e antiimperialista. Mais uma vez, a burguesia nacional demonstrava sua fragilidade e incapacidade de avançar sem a conciliação com o capital externo. Tal revolução só possuía fôlego para ir até a queda de batista: a revolução nacional-popular e antiimperialista aspirava ao comunismo.
Mesmo com a particularidade histórica que sustenta a condição de trilhar caminhos próprios, Cuba, não pode fugir ás determinações da Guerra Fria. Nesta circunstancias históricas extremamente contraditórias, em 16 de abril de 1961, a opção socialista de Cuba é declarada por Fidel Castro. Esta inserção ao bloco estalinista reproduzirá uma dupla tragédia: primeiro, herda todos os limites estruturais já consolidados pelo sistema que opta, segundo, porque não conseguirá livrar-se da subordinação econômica externa, transitando da condição do país pobre capitalista dependente à de socialista dependente. Contudo manteve-se herdeira de suas lutas anteriores, desde os tempos de Martí, do espírito democrático-popular e da autodeterminação nacional. O que parece ser uma das chaves para a compreensão de sua resistência atual. Marx e Engels considerava absurda a idéia de um socialismo, como queriam os populista, em sociedades baseadas em uma economia agro-pastoril. Nestas sociedades atrasadas, logo após a revolução, a carência se restabeleceria e com ela a “luta pelo necessário” e a disputa pela apropriação do excedente reduzido produziria apenas a “socialização da miséria”.
A situação que Cuba herda a partir da “opção” pelo bloco estalinista demonstrou que não basta a transformação da propriedade privada, do trabalho assalariado e do estado capitalista para aniquilar o capital. A coerção “invisível” do mercado sobre o trabalho é muito mais eficiente e vantajosa para o capital que as coerções política, física ou político-partidária autonomizada. Mèszáros identifica a diferença fundamental entre o sistema capitalista e o pós-capitalista soviético “na forma de extração do trabalho excedente: essencialmente econômica no capitalismo, e obviamente política na URSS” onde a personificação do capital emerge na figura da burocracia soviética que exerce o papel de gestor do capital, através do domínio político visível e direto da força de trabalho.
As revoluções que se pretenderam socialistas neste século não foram muito além da destruição capitalista. Diferentemente, Cuba pelo menos até o momento, mantém-se resistindo ainda que contraditoriamente, à queda da URSS e ao bloqueio imposto e reimposto pelos EUA numa demonstração da garra histórica forjada nas lutas do povo em busca da emancipação nunca exclusiva a seu espaço geográfico. Em 1959, Cuba contou com a ajuda soviética, hoje só conta com o seu povo e o triunfo da História. A tese é que vale a pena defender Cuba na radicalidade crítica de sua Historia.
GUEVARISMO E OS CAMINHOS DA REVOLUÇÃO
Guevara adaptou para o continente, de acordo com as contingências da época e da região, um largo leque de direcionamentos, tanto de conduta pessoal como de política econômica, tendo seus textos abrangência de temas que iam desde métodos para melhor eficácia em ações guerrilheiras, quanto análises sobre relações entre países, a criação do homem novo, e a luta contra o imperialismo. Não apenas humanista e idealista, mas também essencialmente prático Guevara exemplificou o marxismo como análise sócio-histórica e como guia para a ação, mesmo acusado por alguns de aventureiro e revisionista.
Numa realidade onde os PCs do hemisfério comportavam-se de forma tímida, esperando a revolução ao invés de fazê-la, temos na guerrilha um substituto dos partidos tradicionais. Além disso, ao contrário do que diziam alguns críticos, Guevara não desmereciam o papel do partido na revolução. Para ele era necessário se fazer uma frente única contra o maior inimigo o imperialismo e seus colaboradores internos, o internacionalismo proletário é essencial para compreender o pensamento de Guevara. Em relação ao indivíduo, Guevara acreditava que o revolucionário deve está pronto a lutar em qualquer lugar que necessite de seus esforços. Para a libertação de um povo, que, ao combater ao seu lado, também se tornaria seu.
Como Trotski, Guevara era a “consciência” da revolução. Eram a favor de um bloco internacional contra o capitalismo. Sendo assim, a coexistência pacifica para eles, portanto, era ilusória e absurda. Dizia ele que o Lênin dos anos 20 é tão somente uma pequena parte de Lênin, porque Lênin viveu vários anos e estudou muito. O Tche tinha como objetivo a luta em grande escala n terceiro mundo, e pensava que com a guerra no Vietnã, seria necessário abrir novas frentes de resistência ao contra o imperialismo.
A concepção do homem novo é também um dos elementos do ideário guevarista. Para ele, para chegar ao comunismo è necessário criar bases materiais ao mesmo tempo em que se cria o homem novo. “o trabalho voluntário se converte então em um veiculo de ligação e de compreensão entre os povos trabalhadores administrativos e os trabalhadores manuais para prepara o caminho em direção a uma nova etapa da sociedade, onde não existirão as classes e, portanto, não poderá existir diferença alguma entre trabalhador manual e trabalhador intelectual, entre operário e camponês”(Che).
Para Guevara, a moral revolucionária não se podia confundir com a rigidez estalinista, ou mesmo chinesa, tampouco com a extrema flexibilidade de alguns países da Europa Oriental. Como a Polônia em sua época. Guevara havia dito que “o individualismo, como tal, como ação única de uma pessoa colocada só em um meio social, deve desaparecer em Cuba”. De acordo com o sociólogo americano Maurice Zeitlin, “contra a acusação de que” o período de construção do socialismo se caracteriza pela abolição da individualidade em benefício do Estado “o Che replicou com ‘os efeitos da experiência cubana’, cuja base é o “homem individualizado, específico e com nome”.
Lênin já dissera que “nos não consideramos de modo algum a teoria de Marx como algo acabado e intocável; pelo contrário, estamos convencidos que ela apenas assentou a pedra angular da ciência que os socialistas devem fazer avançar em todas as direções se não querem atrasar-se em relação à vida”. Guevara elaborou um marxismo original, a partir de das premissas mestras da doutrina. Como Mariátegui, foi criticado. Em suas palavras, Guevara dizia: “não pretendo ser um economista, mas simplesmente, como todos os combatentes revolucionários estou nesta nova trincheira onde me colocaram e tenho que estão preocupados como poucos com o destino da revolução”. Guevara tornou-se um símbolo de luta, também foi incorporado no imaginário do continente e sua figura tornou-se quase santificada. Para Fidel Castro, a revolução propicia a consciência revolucionária. De acordo com ele é um equívoco acreditar que a consciência deveria vir em primeiro lugar. Guevara menciona que a guerra revolucionaria só deve ser iniciada em condições especificas, e como último recurso.
(Lucimar Simon)
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