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domingo, 11 de abril de 2010

Texto: QUEM É O JOVEM QUE PARTICIPA DA HISTÓRIA?

QUEM É O JOVEM QUE PARTICIPA DA HISTÓRIA?

O mundo em que vivemos é tão veloz, se transforma em colapsos constantes e de ritmo tão alucinado, que nos envolve numa curiosa sensação de imobilidade. Contradição logo na primeira frase? Talvez não. Nossa impressão é a de que a lógica materialista — e até capitalista, para os mais superficiais — sempre esteve presente na dinâmica social humana e é uma fatalidade evolutiva. Sinceramente, isso me incomoda. Ignorar o passado como qualquer coisa arcaica e inferior, que não tem o mínimo significado para nós.
Neste artigo, proponho observarmos com atenção o fato de que se houve o diferente, o mundo como o organizamos não é absoluto. Consideremos apenas que mesmo o mais simples registro de passado que pudermos encontrar nos revela, no mínimo, uma distinção do que experimentamos hoje. E se existiu outro jeito qualquer de entender as coisas, podemos ainda projetar uma outra forma de viver em sociedade.
Senti a obrigação de apresentar assim o tema, já que venho falar de juventude, da utilidade e do valor social do jovem. Abandonando, por enquanto, os vícios de linguagem do nosso tempo — em que tudo tem de ser útil e ter valor de produção e consumo —, proponho uma reflexão sobre o sentido atual desta fase da vida, a necessidade de realização que o jovem contemporâneo tem e a possibilidade de crescimento social que surge no seu reconhecimento como agente transformador. E para entender por que os que estão sempre planejando um novo começo para tudo — pelo menos em tese — não têm esse significado no nosso jeito de fazer vida em sociedade, procurei saber, ainda que minimamente, como outras civilizações ou um mesmo grupo, em tempos distintos, percebeu a juventude e a utilidade social do jovem.

Modelo grego

Os historiadores Giovanni Levi e Jean Claude Schmitt, em História dos Jovens (vol. I), apontam que “a sociedade plasma uma imagem dos jovens, atribui-lhes características e papéis, trata de impor-lhes regras e valores e constata com angústia os elementos de desagregação associados ao período de mudança, os elementos de conflito e as resistências inseridos nos processos de integração e reprodução social”. Essa afirmação faz muito sentido ao observarmos as variantes presentes na forma de entender o que é juventude e o que ela representa para a sociedade da qual faz parte, considerando os registros de diversos povos.
Partindo dos gregos, por exemplo, podemos compreender um dos motivos importantes de terem sido escolhidos como nossa raiz cultural: a juventude era idolatrada como imagem. “Antes de chegarem à glória dos heróis, os jovens manifestavam a graça da juventude”, comenta o arqueólogo Alain Schnapp. Mas havia também uma preocupação que ganhava cada vez mais força no mundo grego: a preparação do jovem para viver em sociedade. A constante presença do pedagogo — disciplinando hábitos, atividades e escolhas —, sem dúvida, influenciou o posicionamento dos jovens gregos diante do conhecimento, o que se pode constatar na postura de vários deles, que se interessavam pelos grandes filósofos e até seguiam seus passos, intrigados por questionamentos e reflexões.
E se a Grécia Antiga foi consagrada como berço do pensamento ocidental, o que dizer da fama que acompanha o Império Romano? Em linhas gerais, a Roma se atribuiu a expansão dos hábitos dos gregos, por ter incorporado grande parte de sua cultura e agir com notável eficácia na romanização dos povos que conquistou. A força, a rebeldia e a impetuosidade da juventude estão presentes no mundo romano até no mito de seu surgimento, como observa o historiador Augusto Fraschetti. Rômulo e Remo, dois irmãos criados por uma loba, numa série de conflitos que envolvem luta e morte - duas constantes no cenário do mundo antigo - protagonizam a fundação de Roma.

Guerra e honra

Compreender essa visão é fundamental, porque ao passo que muitos imaginaram haver um abismo entre o fim do Império Romano e o começo da Idade Média na Europa, sentindo algumas vezes dificuldade em compreender como se “saltou” de um período para o outro, é preciso levar em conta outra possibilidade nesse mesmo tema: a continuidade. Historiadores como Henri Marrou, que revisou a idéia tradicional de decadência associada ao período, afirmam que essa transição foi marcada pela manutenção de diversos traços das instituições romanas. Assim, convivem a tradição e as inovações culturais. Essas inovações percebemos na forma como são tratadas as mulheres, por exemplo: no mundo antigo, não deviam sair de casa; já no medieval, por repercussão dos ensinamentos de Jesus, tinham mais espaço social, freqüentavam outros ambientes.
Quanto aos jovens, mais invasões e muitas tradições. Ainda eram vistos como bons guerreiros reconhecidos pelas virtudes morais que deveriam refletir em suas ações. Para a historiadora Christiane Marchello-Nizia, as melhores fontes semânticas do período são os romances corteses. Recorro aqui a um trecho citado em um de seus estudos, que narra as características de um cavaleiro. Elas ultrapassam sua proveniência social e seu aspecto físico: “cortês sem baixeza (...), generoso e sempre pronto a socorrer os miseráveis, matar os ladrões e assassinos, a fazer julgamentos eqüitativos sem amor e sem ódio” (descrição feita pela Dama do Lago a Lancelote).
Além dos guerreiros, como eram vistos pela sociedade medieval os jovens urbanos, agrícolas, os que freqüentavam as oficinas, os clérigos? Quase não se ouve falar deles. Nos registros historiográficos, na iconografia, por exemplo, segundo estudos de Michel Pastoreau, são constantes as imagens dos jovens nobres — geralmente no registro de suas atribuições como adultos iniciantes, como o casamento —, um pouco mais raras as dos jovens clérigos — em sua grande maioria, pertencentes a famílias tradicionais — e muito raras a dos demais jovens. Que imagem de juventude interessava imprimir, deixar para o futuro? Certamente a que cumpre o propósito de promover a manutenção do sistema em que viviam. Mas é importante lembrar que outros jovens existiram e que o trabalho, naquele tempo tido como uma atribuição inferior, no meio urbano e nos espaços de agricultura cabia a eles.
Adiante, no início do Estado Moderno, muitas vezes os jovens são apontados como arruaceiros e boêmios, mas à medida que o Absolutismo se fortalece, aumentam também as tensões que envolvem a juventude, especialmente os nobres, dentro de suas casas. Ao pai cabia a “distribuição” de destinos Ao primeiro filho, o nome e a herança; à primeira filha, o convento; aos demais, o matrimônio arranjado, na maioria das vezes. Um grande abismo separava pais e filhos, o que não significa que todos os jovens aceitassem passivamente as determinações paternas, como observa a historiadora Renata Ago, ao apontar a incidência de casamentos clandestinos no período.
O jovem parece uma continuação dos pais. Não faz escolhas. Não tem vocações? Há um esforço evidente em castrar essas iniciativas, esses impulsos e essas vontades na juventude. Depois disso, perceberemos que se agravam as diferenças nas oportunidades, no advento burguês, disparado pela Revolução Industrial. Há quem freqüente universidade, há quem só conheça fábricas. Mas isso é versão mais divulgada.
Para concluir esse panorama histórico, recorro novamente a observações de Giovanni Levi e Jean Claude Schimitt: “A investidura do jovem cavaleiro, a noviça que toma o véu, o alistamento do futuro soldado, os ritos goliardescos das universidades são momentos cruciais, efêmeros, carregados de fragilidade. São momentos de crise, individual e coletiva, mas também de compromisso entusiástico e sem reservas, e, no fundo, não vamos encontrar sempre os jovens na linha de frente de revoltas e revoluções?”. Sem dúvida que sim! O que constatamos é um espírito de busca, de “início”, que às vezes se apresenta como luta e transformação, mas outras vezes é resistência interior, ou até rebeldia, mas que faz com que o jovem seja diferente dos demais integrantes da sociedade. Não melhor, nem pior, e não apenas pelas características físicas, mas diferente. Mesmo nas mais diversas sociedades, que podem nos ensinar muitas formas de compreender juventude.

Em outras épocas

Da Revolução Francesa à Russa, ou durante a era dos “populismos”, “nacionalismos” e toda espécie de ditadura e guerra do século XX, jovens em barricadas, jovens na platéia, jovens lutando contra, jovens fazendo nada. Mas e o hoje? Quais os espaços dos jovens? Ser jovem ainda se parece com o “ser preparado” para alguma coisa. Para o mercado de trabalho, para a vida afetiva, para a cidadania, para a estabilidade, para construir um País forte, para mudar o mundo! — ainda que neste último poucos creiam. O comum é considerar o jovem um quase-adulto que pode cometer excessos. Sem muitas responsabilidades, sem nenhum poder. Sofre as pressões do consumo, mas não recebe as oportunidades equivalentes de produção. Prepara-se para ser um agente desse mecanismo desigual, encarando o trabalho como um fardo; a possibilidade de mudança, utópica; os feriados, um alívio. Muitos jovens já crescem cansados.
Numa fase da vida em que tudo é novo e em que cada descoberta coloca em xeque a anterior, a busca pelo sentido da vida se torna cada vez menos atraente, por ser resolvida com uma série de convenções mercadológicas pouco leais: carência se resolve no shopping; solidão acaba com beijo na boca; ser feliz é sair para dançar.
São desleais essas promessas, porque o indivíduo se mata de trabalhar e nunca tem dinheiro suficiente para comprar o tanto que precisa para suprir suas carências; beija todo mundo e ainda se sente sozinho e sem valor; droga-se para conseguir dançar são parar e a felicidade nunca é convincente.
Quanto ao espaço social, a maioria dos que conseguem emprego recebe salários baixos, com carga horária alta. E só serve para isso: alimentar a máquina do consumo. Não pode fazer nada para mudar as estruturas que, de tão pregadas e cultuadas pela sociedade e seus instrumentos de expressão (escola, mídia, família, os próprios jovens...), aparentam ser inevitáveis e eternas.
Não pode mesmo fazer nada?
Pode, com certeza. E um bom primeiro passo para vencer essa aparente impossibilidade é questioná-la. Buscar compreender em que medida a vida da juventude é uma construção cultural e mudar o que não nos favorece, dentro dessa realidade. Em meados de 1980, escreveu o jornalista José de Paiva Netto, com larga experiência de ação social voltada para a juventude, no trabalho da Legião da Boa Vontade: “Quanto mais bem-informados mental e intelectualmente os jovens, mais justos e equilibrados serão seus juízos. Quanto mais bem-informados moralmente, maiores e mais bem-fundadas resistências oporão ao apodrecimento do tecido social como um todo e, por conseqüência, da própria nacionalidade”.
Para construir tanto, o jovem precisa desse amparo social, intelectual e moral, precisa contar com a lealdade das gerações anteriores. As pessoas precisam ser preparadas para viver em sociedade e não para ocupar uma prateleira nos mercados, com um currículo bem escrito em mão.
Mas é claro que o jovem também não pode se esquivar dessa busca. A construção de um entendimento de juventude diferente do que existe hoje é possível. Como vimos anteriormente, a cara do jovem, os costumes, as relações sociais que o envolvem, se alteraram inúmeras vezes. E podem ser sempre diferentes. A pergunta é: que tipo de reconhecimento e espaço querem os jovens contemporâneos? Se isso for estabelecido por eles próprios, a resposta será muito mais precisa.
Voltando às palavras de Paiva Netto, transcrevo: “O jovem é o futuro no presente”. No presente! Isso faz uma diferença tremenda, porque demonstra a urgência de se cuidar do futuro. É no agora que se constrói a eqüidade, o ser responsável, o equilíbrio social que satisfaça não apenas os jovens, mas o meio onde vive.

Novo jeito de revolucionar

Nessa percepção, muita gente hoje se articula por meio do Protagonismo Juvenil (o jovem como ator principal). A idéia é permitir que ele desempenhe os principais papéis na execução de projetos para juventude e outros temas pouco atendidos no cenário mundial. Com relação ao termo, registro um sentido ainda mais amplo de participação da juventude, que tomei conhecimento em conversa recente com a também militante da JEBV de Deus Thaís Afonso, em Santos/SP. Ela me disse que fica muito incomodada com essa coisa de ser ator. O ator, mesmo que protagonista, sempre interpreta um papel que alguém escreveu para ele. Não pode escrever seu próprio texto e fazer escolhas. Assim, seria mais preciso dizer que queremos ser autores sociais, capazes de escrever as coisas de um jeito novo, repleto da esperança de quem não conhece o impossível.
Autores, atores, percebo que finalmente a nossa geração participa de uma das respostas mais inteligentes ao descaso social. Além de concordar com a idéia, tenho podido constatar pessoalmente os resultados desse método de trabalho, nas atividades da Juventude Ecumênica da Boa Vontade de Deus, movimento de jovens em que atuo e, que, por intermédio do qual, conheci muitas outras militâncias, também formadas por pessoas de Boa Vontade.
Por fim, para garantir a viabilidade do nosso ideal, um mundo em que as pessoas vivam com Justiça e Paz, devemos cuidar para não cometer os erros que levaram outras sociedades a práticas desumanas e resultados de solidão. Entre outros valores importantes, não podemos esquecer que não somos donos da verdade, portanto, precisamos de todas as gerações — anteriores e posteriores —, para vivermos com equilíbrio; devemos nos lembrar de que nada deve ser mais importante que a Fraternidade, porque a justiça sem esse senso de “amor irmão” é cega; precisamos saber que lealdade, compromisso e ecumenismo são mais eficazes que todo sectarismo e exclusão e não podemos abandonar a crença na importância da nossa renovação diária, como indivíduos e como grupo social, para que os jovens não sejam mais impedidos de dizer o que sentem, para que a sociedade não tenha medo de ouvir, para que todos se percebam em suas diferenças e infinitas capacidades de aprendizado diante do outro.

http://juventude.boavontade.com/noticias/mostrar.php?sp=217660

Paula Schnor

(Lucimar Simon)

Um comentário:

Anônimo disse...

ja tinha vindo aqui algumas vezes mas nao havia comentado ainda...
adorei esse texto sabia...acho que pro trabalhar com jovens por causa da minha profissão!
se os jovens fossem visto dessa maneira pela sociedade talvez nao tivessemos tantos problemas...

bjinhussss...

Di!