CULTURA ERUDITA E CULTURA POPULAR NO MEDIEVO EUROPEU
Introdução -Ocidente: cultura clerical e folclórica no período merovíngio.
[...] a cultura ocidental dos séculos V ao VIII, apresenta por um lado a aceitação cristã, presente na formação intelectual dos chefes espirituais germânicos e utilizada como meio de ascensão social, por outro a reação da cultura laica, que, recusada pela cultura clerical- destruída, obliterada, e (o que é mais importante) desnaturada -, orienta-se para uma reação folclórica que irromperá, a partir do século XI, paralelamente aos grandes movimentos heréticos.(NOGUEIRA, Carlos Roberto F)1 .
Analisar a distinção entre os elementos culturais eruditos e populares ocidentais nos, séculos que correspondem ao período merovíngio, não coincide, essencialmente, em diferenças ligadas a estratificação social. A linha divisória entre “cultos e incultos” é paralela à que separa os clérigos dos laicos. A Igreja monopolizava a escrita e a erudição intelectual, ao passo que, a cultura laica, no âmbito da fusão dos elementos bárbaros e romanos, perpetua-se no conjunto das camadas inferiores ruralizadas.
Assistimos assim à afirmação de dois fenômenos essenciais: a emergência da massa camponesa como grupo de pressão cultural e a indiferenciação crescente com algumas exceções individuais e locais de todas as camadas sociais laicas face ao clero que monopoliza todas as formas evoluídas, e nomeadamente escritas, de cultura. O peso da massa camponesa e o monopólio clerical são duas forças essenciais que agem sobre as relações entre os meios sociais e os níveis de cultura na Alta Idade Média. (LE GOFF, Jacques)2 .
Desse modo, Le Goff, analisa as relações entre estes dois níveis de cultura á partir de uma ótica voltada para o “intelectual e mental”. Vincula, elementos convergentes a partir do testemunho de documentos pertencentes à cultura eclesiástica escrita (vidas de santos e obras pastorais) e conclui que os elementos clericais , muitas vezes, inseriram-se nos quadros da cultura folclórica. Acerca das abordagens conclusivas do autor, essa “aculturação” folclórica nas instâncias clericais foi favorecida por e características em comum: não-distinção entre terreno e sobrenatural / material e espiritual (atitude perante os milagres, o culto das relíquias, uso das filacteras* , etc.) ,assim como, as práticas evangelizadoras que reclamaram um esforço de adaptação cultural, (localização das igrejas e filacteras : pergaminho contendo uma passagem da Bíblia usada como talismã, oratórios e funções pagãs transmitidas aos santos, etc.), embora a instituição religiosa tenha recusado estas manifestações populares por meio de mecanismos de destruição, obliteração e desnaturação. A destruição consistiu nas investidas que visavam extinguir os templos e os ídolos. A obliteração, por sua vez, deu-se por meio da sobreposição de elementos cristãos a antecessores pagãos. Já a desnaturação, citada como os processos mais importantes no embate contra o paganismo, que se resumia à mudança radical do significado dos temas folclóricos nos na visão cristã. Os templos abatidos, os ídolos destruídos a filosofia helênica proscrita, o politeísmo oficial estava destruído, mas a fé nos deuses, reduzidos agora a condição de demônios, em virtude dos ritos que tinham outrora constituído seu culto, não estava na realidade extirpada.(MAURY,A .La magie et l´Astrologie,p.118).
Vale ressaltar que a estratificação cultural do ocidente no período merovíngio não corresponde à distinção social. Le Goff, argumenta que a “reação folclórica” que se deu a partir da época carolíngia irrompeu-se em paralelo aos grandes movimentos heréticos, a partir do século XI. São Marcelo de Paris e o dragão: paralelos eclesiásticos e folclóricos no medievo europeu. As análises a seguir são embasadas em no hagiógrafo merovíngio Vita Sancti Marcelli, escrito por Venantius Fortunatus, portanto, faz-se necessário para a melhor compreensão das considerações posteriores a transcrição de um trecho da tradução do texto original:
SÃO MARCELO DE PARIS E O DRAGÃO
Voltaremos agora a esse milagre (mysterium) triunfal que, embora cronologicamente o último é o primeiro pela importância sobrenatural (in virtute). Uma matrona, nobre pela origem mas vil de reputação, manchando por nefasto crime o brilho do seu nascimento, após ter terminado os seus breves dias, tendo-lhe sido tirado a luz, foi acompanhada de um cortejo presunçoso. Mal havia sido enterrada, logo após os funerais, deu-se um acontecimento cujo relato me enche de horror. Eis que um duplo lamento sai da defunta. Começa a aparecer assiduamente uma serpente gigantesca para lhe consumir o cadáver [...]. Era o próprio dragão que vinha à sua sepultura.[...] e o cadáver não pôde após a morte, repousar em paz porque, embora no fim da vida lhe tivesse sido concedido um lugar onde se estender o castigo impunham-lhe sempre mudanças. Ó sorte execrável e temida! A mulher que nesse mundo não respeitara a integridade do casamento, não repousar no túmulo, porque a serpente que em vida a arrastara ao crime atormentava-lhe agora o cadáver.[...].Posto ao corrente, São Marcelo compreendeu que deveria vencer o sangrento inimigo. Juntou o povo da cidade e pôs-se a caminho à frente dele; tendo depois dado ordem aos cidadãos para pararem mas ficando à vista do povo e levando Cristo por guia, avançou sozinho para o local do combate. Quando a serpente saiu da floresta para se dirigir ao túmulo, caminhou um para o outro. S. Marcelo começou a rezar e o monstro, de cabeça suplicante e a cauda acariciadora, pediu-lhe perdão. Então por três vezes S. Marcelo bateu-lhe na cabeça com o báculo, passou-lhe a estola em volta do pescoço e mostrou o seu triunfo aos olhos dos cidadãos. Foi assim que, nesse circo espiritual, como o povo como espectador, combateu sozinho o dragão. O povo tranqüilizado, correu para o bispo[...] Assim, as armas privadas venceram um inimigo público e uma só presa provocou os aplausos de uma vitória geral. Se compararmos os méritos dos santos com as suas façanhas, a Gália deve venerar Marcelo como Roma venera Silvestre. E a façanha daquele é porque se este só conseguiu selar a goela do monstro, Marcelo fê-lo desaparecer.(FORTUNATUS, Venantius. Vita Sancti Marcelli, cap. X). São Marcelo, foi bispo de Paris no século V, sua historia, até então, desconhecida, foi resgatada por Venâncio Fortunato a pedido de S. Germano, seu sucessor no bispado da cidade francesa.
A história apresentada remete a uma tendência dos hagiógrafos merovíngios, que parece figurar aos clérigos uma genealogia de heróis. O triunfo individual do santo-bispo sobre a serpente-dragão permite a aceitação de duas vertentes hipotética de interpretação: por um lado, a vitória sobre o paganismo o combate não é um duelo de morte, mas sim, uma cena de domínio. Por outro, a versão a versão de Fortunato, e sua disseminação, tanto na vertente erudita quanto na popular, remetem a um “rito fundador” . O local do seu último e grande milagre tornou-se o local de sua sepultura e de uma igreja suburbana, assim como, um burgo passou recebeu o seu nome Saint-Marcel .
É possível que este rito fundador tenha sido influenciado por uma tradição greco-romana na qual as cidades possuíam uma gênese mitológica centrada nos feito dos heróis, dentre o quais, Le Goff cita a história que relaciona Perseu e a fundação de Micenas. O fato é que, embora o culto a São Marcelo tenha sido restrito a uma tradição local, sua relíquias foram levadas posteriormente para Notre-Dame e desempenharam um papel importante na devoção parisiense, entre os séculos X e XII, diante de uma epidemia de erisipela gangrenosa. O individualismo abordado na narrativa compele ao bispo uma função cívica que se sobrepõe à religiosa: o santo é apresentado muito como o chefe terrestre da comunidade urbana do que nas suas funções espirituais de pastor. Com relação á figura do dragão-serpente, e o seu significado para o clero e para a massa laica são admitidas duas considerações distintas: uma aborda a imagem diabólica do dragão (visão com base, principalmente, nas citações do livro do Apocalipse), e os relatos da presença do uso de imagens de dragões nas procissões parisienses entre os séculos XII e XV. Nessas procissões, ou Ladainhas, era passeado um grande dragão de palha em cuja goela o povo deitava frutos e bolos.
O autor admite a hipótese de que tal prática tenha vínculos com práticas, crenças e ritos anteriores, ligados ás cerimônias destinadas, desde á Antigüidade, a atrair os favores das forças fecundantes. [...] entre os clérigos, o emblema é o bispo, na sua função de vencedor do dragão, enquanto que para o povo parece ser o próprio dragão [...] se o dragão eclesiástico é designado, sem equívoco, como símbolo do mal que deve suprimir-se, o dragão popular é o objeto de sentimentos mais confusos: procura-se, antes de qualquer coisa, amansá-lo com oferendas, procura-se lhe agradar, antes de se brincar com a sua derrota.(LE GOFF, Jacques)
O OCIDENTE MEDIEVAL E O OCEANO ÍNDICO: UM HORIZONTE ONÍRICO
O Ocidente medieval ignorou as realidades do oceano Índico. Em meados do século XV, o mapa-múndi catalão da Biblioteca Estense, em Módena, mostra uma perfeita ignorância do oceano Índico. Foi graças à miniatura, à escultura, à literatura científica, didática, romanesca e homilética, que a imagem da Índia penetrou largamente na sociedade do Ocidente medieval e não limitou a sua audiência e a sua significação a uma camada instruída. É pois, um testemunho da psicologia e sensibilidade coletivas. É preciso chegar às primeiras descobertas portuguesas para que o conhecimento geográfico (digamos costeiro) do oceano Índico comece a definir-se. Em resumo, o conhecimento do oceano Índico começa pela África (com os portugueses), ao contrário dos sonhos medievais que se desenvolveram sobretudo ao longo da Pérsia, da Índia e das ilhas. O século XV conheceu alguns progressos no que se refere a descoberta de Ptolomeu (tinha um melhor conhecimento das realidades do oceano Índico). O progresso definitivo mais importante do século XV é o abandono por parte de certos estudiosos da visão ptolomaica (oceano Índico fechado, considerado como rio). A primeira carta medieval em que o oceano Índico aparece aberto é de Antonin de Virga (1415); mas, será preciso esperar pelo mapa-múndi de Martellus Germanus (1489) para que se adote a noção. Esta abertura do oceano Índico não marca apenas o fim de uma longa ignorância; marca a destruição do próprio fundamento do mito do oceano Índico na mentalidade medieval (o oceano era um mundo fechado do exotismo onírico do Ocidente medieval, um paraíso cheio de encantamentos e de pesadelos). Existiam contatos do Ocidente desta época com o oceano Índico (mercadores, viajantes, missionários chegaram as suas margens). Alguns, e antes de Marco Pólo, escreveram sobre ele. Por que é que o Ocidente ignorou, obstinadamente, a sua realidade? Antes do mais, apesar das incursões, mais individuais que objetivas, o oceano Índico foi efetivamente fechado aos cristãos. Árabes, persas, indianos, chineses (para citar os mais importantes) faziam dele um domínio reservado. Para alguns, missionários ou mercadores, devem ter tido influência, alguns tabus psicológico. Ao contrário das pessoas do renascimento, as da Idade Média não sabem olhar, mas estão sempre prontas a escutarem e a acreditarem em tudo o que lhes diz.
Podemos enfim, perguntar qual foi o verdadeiro conhecimento que do oceano Índico, tiveram aqueles que aparecem tê-lo conhecido melhor, como exemplo Marco Pólo. O seu relato perde o caráter de itinerário vivido, para se tornar descrição sistemática, livresca tradicional. Também as descrições (conhecimento do oceano Índico por parte dos geógrafos árabes) estão por vezes de fábulas e mostram a ignorância das realidades. De onde provinha então o oceano Índico do Ocidente medieval? De medíocres fontes helenístico-latinas e de descrições lendárias. O principal representante desta corrente incrédula é Estrabão, que não hesita em chamar mentirosos aos que, antes dele, escreveram sobre a Índia. Notemos aqui, que dois espíritos cristãos (durante a Idade Média) se incluem mais ou menos neste pequeno grupo de incrédulos. Santo Agostinho, preocupado em justificar uma antropologia fundada na Gênese e Alberto, o Grande, oito séculos mais tarde, hesita em pronunciar-se sobre fatos e seres que a experiência não provou a seus olhos.
Mais ainda, algumas escritas fantasistas, postos sob a autoridade de algum grande nome cujo testemunho a credulidade medieval aceitavam, sem dúvida nem exame, alimentaram o setor indiano de uma pseudociência que se inspirava de preferência nas fontes da literatura apócrifa. Nesta literatura de ficção, devemos dar um lugar à parte a um conjunto romanesco que, amalgamando o tema das maravilhas da Índia, lhe conferiu um extraordinário prestígio. Foi com Alexandre medieval também, que o Ocidente medieval encontrava as fontes gregas da Índia fabulosa. Os escritores do Ocidente medieval não estabelecem divisão estanque entre a literatura científica ou de didática e a literatura de ficção. Acolhem igualmente, em todos estes gêneros, as maravilhas da Índia. Ao longo de toda Idade Média, elas formam um capítulo habitual das enciclopédias, onde uma série de eruditos procura encerrar, como se tratasse de um tesouro, o conjunto dos conhecimentos do Ocidente. O êxito desta literatura foi aumentado graças às imagens que ilustraram muitos dos manuscritos em que figuravam esses textos e que por vezes irrompem no domínio da escultura. Antes do mais, a abundância das figurações prova de maneira às maravilhas da Índia inspiravam as imaginações ocidentais. Seria talvez revelador distinguir, na ideologia e na estética medievais e através de inúmeras contaminações, duas inspirações distintas, duas interpretações divergentes desse maravilhoso indiano. Por um lado, a tendência a que Rudolf Wittkower chama e parecer remeter para um universo folclórico e mítico, marcado com o selo do paganismo grego-romano; concepção esta que parece sobretudo saltar de um fundo primitivo e selvagem. Ela faria parte desse anti-humanismo medieval que as inspirou mais espantosas criações artísticas da Idade Média ocidental. Por outro, uma tendência mais “racional” procura domar as maravilhas da Índia. Saídas das interpretações naturalistas de Santo Agostinho e de Isidoro de Sevilha, que fazem delas meros casos particulares, casos-limite da natureza, fazendo-as entrar na ordem natural e divina, essa tendência culmina na alegoria e, mais ainda, na moralização de tais maravilhas. Em ambas as perspectivas, o oceano Índico é um horizonte mental, o exotismo do Ocidente medieval, o lugar de seus sonhos e dos seus recalcamentos.
Antes de esboçar a carta onírica da Índia no Ocidente medieval, resta perguntar o que banha este oceano Índico e qual a Índia cujas maravilhas ele defende. Ao longo da linha costeira, que vai da África oriental até à China, distinguem-se; em geral, três Índias. A Índia Maior, que compreende quase toda nossa Índia, fica entre a Índia Menor que se estende do norte da costa de Coromandel com inclusão das penínsulas do Sudeste asiático, e uma Índia meridiana que compreende a Etiópia e as regiões costeiras do Sudoeste asiático. A ligação ou a confusão, interessante é a que une Etiópia à Índia e forma, com a África oriental e a Ásia meridional, um só mundo maravilhoso, como se a rainha do Sabá desse a mão a Alexandre e não já a Salomão. Vemos isto claramente na história da lenda do Prestes João. Mas, apesar destas hesitações, os ocidentais conservam uma certeza: o mundo das maravilhas fica a leste, no Oriente. O primeiro sonho Ocidente medieval é o de um mundo de riqueza. Neste domínio indigente da cristandade ocidental, o oceano Índico parece regurgita de riquezas.
O simbolismo cristão rodeia ainda as ilhas de uma auréola mística que assim faz deles a imagem dos santos que conservam intactos o seu tesouro de virtudes, em vão batidos por todos os lados pelas vagas das tentações. Ilhas produtoras das matérias de luxo. A este sonho de riqueza liga-se um sonho de fantástica exuberância. As terras do oceano Índico estão povoadas de homens e animais fantásticos. Através deles o ocidente foge à realidade medíocre de sua fauna, reencontra a inesgotável imaginação criadora da natureza e de Deus. Sonho que se expande na visão de um mundo da vida diferente, onde os tabus são destruídos ou substituídos por outros, onde a extravagância segrega uma impressão de libertação, de liberdade. Mais para lá, ainda, é o sonho do desconhecido, do infinito, do medo cósmico. Mas, a imaginação ocidental esbarra com as fronteiras desse mundo que é, decididamente, um mundo fechado onde o sonho rodopia. Por um lado, esbarra com os muros que guardam provisoriamente o Anticusto, as raças malditas do fim do mundo. Por outro lado, encontra, caída, a sua própria imagem, o mundo às avessas.
Já só lhe resta satisfazer-se com sonhos agradáveis, virtuosos, tranqüilizantes. É o sonho católico do oceano Índico. Nas costas do oceano Índico, uma cristandade perdida esperaria os seus irmãos do Ocidente. As costas do oceano Índico são os domínios do sonho missionário por excelência. Este sonho cristão tem uma finalidade ainda mais prestigiosa: encontrar o caminho para o paraíso terrestre. Mas, também aqui, muitas vezes os sonhos cristãos se apagam perante um sonho mais pagão pela ausência de qualquer referência ao pecado original, pela rejeição de toda a organização eclesiástica e social. No fim desta rápida incursão no mundo onírico que os homens do Ocidente medieval projetaram no mundo do oceano Índico, ao invés lugar de civilização e de racionalização, podemos perguntar-nos se as contradições do sonho indiano não são as contradições de todos os universos oníricos. Há uma oposição de dois sistemas de pensamento, de duas mentalidades que, por vezes, permanecem misturadas. Por um lado, o cristianismo, pelo fogo da explicação alegórica, trata de maravilhas domadas, postas ao alcance dos ocidentais. Feita para servir de lição, está Índia moralizada pode ainda inspirar medo ou inveja, mas é, mais e sobretudo, triste e entristecedora. Por outro lado, ficamos no mundo ambíguo das maravilhas cativantes e, ao mesmo tempo, assustadora. É a transferência dos complexos psíquicos das mentalidades primitivas para o plano da geografia e da civilização. Simultaneamente, sedução e repulsão perante o bárbaro. Entre o Ocidente e a Índia é, de resto, recíproco o desprezo na Idade Média. Desde a Antigüidade grega, o monoculismo é o símbolo da barbárie no Ocidente, e os Cristãos medievais povoam a Índia de Ciclopes.
OS SONHOS NA CULTURA E NA PSICOLOGIA COLETIVA DO OCIDENTE MEDIEVAL.
O quanto um sonho pode influenciar na vida ou em uma decisão? Voltando para uma situação geral, na Idade Média os governantes bem como os clérigos e cidadãos comuns eram notavelmente apreciadores da interpretação de sonhos, logo a cultura medieval fica assinalada pela cultura dos sonhos. Temos pôr objetivo com a análise deste texto esclarecer de uma maneira simples o que a psicanálise avaliada pôr alguns autores vem explicar, as tomadas de decisões, e influencia dos sonhos na idade média.
Aqui apresentaremos com base no texto e outras leituras complementares, as estruturas e as permanências da história da cultura e da mentalidade medieval avaliando algumas colocações fundamentais do autor. Muitos autores fazem referencias, eu as não farei, no entanto, frisarei algumas citações do autor deste texto, o qual com uma ótima pesquisa nos presenteou com esta maravilhosa obra. Em toda esta preparação de uma abordagem psicanalítica, não deixamos de tentar definira a forma como a elaboração literária dos relatos de um sonho duplicava, de certo modo, e acrescia a deformação do conteúdo manifesto em relação ao conteúdo latente do sonho desta forma a literatura medieval, que sendo presa a aspectos rígidos como obediência e firme as leis de gêneros bem determinados, ao peso de autoridades constrangedoras, a pressão de lugares comuns, imagens e símbolos empobrecem o conteúdo manifesto dos sonhos.
O que fica claro a censura já existia na idade média, e sobre ela através de grupos dominantes se fazia os recortes necessários para fazer da cultura uma cultura de poucos, ou seja, uma cultura da elite, os nobres, e escrita pôr clérigos uma vez que a escrita era privilégios de poucos, porém não era proibido sonhar e relatar os sonhos, mas o próprio autor afirma que estes sonhos eram desapropriados de seus donos e transformados em uma história de um nobre ou cavaleiro medieval. Na obra, Para um novo conceito de Idade Média o autor faz uma abordagem a várias personalidades da época, analisando os textos de Macróbios, Gregório, o Grande e Isidorio de Sevilha, nas categorias de relatos de sonhos, também são citados S. Jerónimo, S. Martinho e Carlos Magno.
A interpretação destes textos faz principalmente contribuir para entender e nortear os estudos em uma direção psicanalítica da investigação, contribuindo para a história das idéias, da literatura, da medicina, das ciências, da mentalidade e sensualidade e do folclore. Esta investigação começou pôr valorizar a elaboração característica da cultura e da mentalidade medievais, das tradições antigas. Com base na ciência onírica da Antiguidade greco-latina os clérigos medievais retiveram, em especial os textos que partiam de uma interpretação do sentido do cristianismo e oferecendo uma presa relativamente fácil, pelo preço das deformações e dos desvios quase sempre inconsciente, com espíritos dotados de utensilagem mental simplificada, com pitagorismo e estoicismo, através de Cícero, encontram em Macróbios grande mestre da ciência onírica medieval as correntes neoplatônicas já interpretada no cadinho eclético de Artemidoros.
A ciência de interpretação dos sonhos busca dar uma versão verdadeira para eles, mostrando uma noção das verdadeiras e falsas visões, pois o enfraquecimento da diversidade e riqueza onírica da Antigüidade aumentou a desconfiança legado com a herança bíblica, que pedia prudência no Antigo Testamento e silêncio no Novo Testamento. As práticas oniromantes que vem das tradições pagãs celtas, germânicas e outras, aumentam as considerações e até a fuga perante os sonhos, que se tornam habituais na Alta Idade Média. O sonho, já perturbado em S. Jerónimo, em Santo Agostinho e em Gergório, o Grande, e com matizes em Isidoro de Sevilha, inclinou-se para o lado do diabo, mas, no entanto, permanece uma corrente de sonhos “bons”, vindos de Deus pôr intermédio dos anjos e sobre tudo dos santos. Assim segue-se um período de tribulações entre os medievos e esta só se normalizará com o surgimento de uma nova elite do sonho, emplacados no heroísmo onírico e no combate contra satanás pôr santos que vão substituir as antigas elites do sonho.
O século XII pode ser considerado uma época de reconquistado sonho pela cultura e pela mentalidade medievais. O sonho estende sua função ao domínio cultural e político. Desempenha um papel na recuperação da cultura antiga, sonhos da Sibila, premonitórios do cristianismo, sonhos dos grandes intelectuais precursores da religião cristã, Sócrates, Platão, Virgílio. È a mola onírica de uma nova história das civilizações e da salvação. Uma literatura política explora também a veia onírica, mesmo que o sonho esteja nela reduzido ao emprego de um processo literário.
Entre os textos temos vários delírios de sonhos os quais deixam interpretações pouco acreditáveis, gerando dúvidas quanto sua veracidade, porém até aqui o autor nos coloca dois aspectos cronológicos, sendo uma fase de instalação da cultura e das mentalidades medievais de fins do século IV até princípios do século VIII, bem como a grande revolução do século XII, em que os mesmos modos manifestam-se, no âmago da permanência de estruturas profundas e resistentes. Porém mesmo aviltado ao estado de acessório, o sonho continua a desempenhar o seu papel de dispersão, de instrumento próprio para vencer as censuras e as inibições.
Como explicar que o sonho de Herman de Valenciennes manifesta brilhantemente, nos fins do século XII, a sua eficácia num novo combate da evolução cultural: a substituição do latim pelas línguas vulgares. Somente um sonho autêntico e, o sinal dos tempos, marial pode legitimar esta audácia traumatizante: contar a bíblia em linguagem vulgar, e em João de Salisbury o sonho toma, enfim, lugar numa autêntica simiologia do saber, Então resta-nos uma pergunta a qual retomo agora. Quanto um sonho pode interferir em uma vida, ou em uma sociedade? Será que a resposta seria clara? Ou seria uma afirmação, dizendo: depende de quem sonha.
MELUSINA MATERNAL E ARROTEADORA.
Aqui narramos através das pesquisas de J. Le Goff. Le Roy Ladurie, que independente um do outro, descobriam Melusina, nos seus respectivos seminários da VI Seção da Escola Prática dos Altos Estudos, e seguidamente confrontaram textos e idéias. Daí resultou um estudo comum. Sendo J. Le Goff responsável pela parte medieval e E. Le Roy Ladurie pela parte moderna. Neste artigo estão citados os estudos medievais, mas fazendo algumas considerações sobre os estudos modernos, comparando as duas linhas na medida em que relatamos os pontos chaves.
A criação popular não fornece todas as formas matemáticas possíveis. Hoje já, não há criações novas. Mas é certo que houve épocas excepcionalmente fecundas, criadoras. Aarne pensa que, na Europa, foi o que sucedeu na Idade Média e afirma que, se pensarmos que tudo se perdeu sem remissão para a Ciência, os séculos em que a vida do conto popular foi mais intensa, compreenderemos que a atual ausência desta ou daquela forma não basta para pôr em causa a teoria geral, pois como supomos haver estrelas que não vemos podemos também supor que exista conto que não foram datados ou recolhidos. O que nos deixa com uma fenda em nosso conhecimento sobre tal cultura.
A maior parte dos contos são narrados em ambientes de sombras como florestas, bosques, ou aposentos, mencionam geralmente um homem (nobre) e uma mulher (Melusina), e relata o encontro entre os dois em uma situação a qual um ou outro se encontra angustiado, no diálogo entre os dois há sempre uma relação de troca, onde fazem um compromisso nos laços matrimoniais. Nestes trabalhos Le Goff, cita vários autores que relataram profundamente Melusina, entre eles estão Gautier Map, Gervais de Tilbury, João de Arras, cada um a sua maneira interpreta Melusina de uma forma bela porém acometida de dúvidas quanto sua representação física e o caráter mistifico empreendido em sua personificação, transformação em um tipo de serpente ou dragão alado ao ser descoberto seu segredo.
Quanto aos vários contos envolvendo Melusina, alguns parece encontrar-se em pontos um pouco divergente, mas todos colocam a figura do nobre como herói e Melusina torna-se o pecado ou é comparada a figura do diabo, pela sua transformação em uma serpente. Um fato é importante frisar, Melusina sempre informou ao seu companheiro que possuía um segredo e que não podia a ele ser revelado, e o homem em seguida quando descobria o mistério sentia-se traído pela esposa. Porém a infidelidade do marido a sua promessa não é menos culposa pelo caráter diabólico da mulher, pois a cultura da época desloca o problema e faz do homem o correto e traído pela esposa. A Melusina medieval que, aqui citamos tem pais e avós, nas sociedades antigas, sendo embora uma criatura, uma criação da Idade Média, tem contudo, muitas possibilidades, embora possa ter sido contaminada pela leitura de escritores que lhe deram forma, de dever ser procurada pelo lado do folclore, tendo uma nítida ligação particularmente ao conto popular.
CONCLUSÃO
Cultura Popular e Erudita, um ponto e um contraponto. O estudo da cultura popular ou de fenômenos ou obras impregnadas de cultura popular põe o historiador em contato com um tempo histórico que o desconcerta. Ritmos lentos, explosões, perda e ressurgências harmonizam-se mal com um tempo unilinear no qual está habituado a discernir aqui e além, aceleração ou demora razão de sobra para nos felicitarmos pelo alargamento do campo histórico até ao folclore, o que põe em evidência este tempo insuficiente.
Uma cultura erudita não escrita ligada aos meios aristocráticos complica o problema das culturas célticas, germânicas, a distinção entre tradição oral e tradução popular representa uma prudência elementar. Também vem aqui o aspecto religioso o qual põe em cheque a essência demoníaca de Melusina, devido à condenação a atos de bruxarias, feitiços e outras práticas contrarias as versões da Igreja e clérigos.
REFERÊNCIAS
1. NOGUEIRA, C.R.F. Ruptura e permanência: a cristianização dos povos bárbaros. In: RBH, p.47-56.
2. LE GOFF, Jacques. Para um novo conceito de Idade Média: tempo, trabalho e cultura. Lisboa: Estampa, 1993.
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Um comentário:
aff nn encontrei o que procurava isso poderia ter menos detalhes e mas assuntos
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