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domingo, 25 de abril de 2010

Texto: EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: ALGUMAS EXPERIÊNCIAS

INTRODUÇÃO

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, a população indígena brasileira foi apurada em 734.127 indivíduos (IBGE 2000). É perfeitamente provável que tenha crescido mais nesses quase 10 anos que nos separa do último Censo Demográfico, às portas, portanto, de uma nova contagem em 2010.
Conforme é sabido, os problemas dos índios com o restante da sociedade remontam ao século XVI, quando se constituíam em cerca de cinco milhões de indivíduos. Desse encontro com o mundo civilizado resultou um morticínio que foi fruto de um processo complexo, cujos agentes foram homens e microorganismos, embora as motivações fossem a ganância e a ambição, típicas do capitalismo mercantil. Daí que a escravidão, doenças e as guerras tenham exterminado grande número de índios, não só no Brasil, mas em todo o continente americano, apesar das tentativas de proteção governamentais, sobretudo incentivadas pelos religiosos da Companhia de Jesus nos territórios de colonização ibérica.
Contudo, no período colonial, o ensino religioso era o caminho imaginado pelos jesuítas para transformar os índios em “bons cristãos”, o que significava também fazê-los adquirir hábitos de trabalho dos europeus. Claro estava que o objetivo principal era a constituição de cultivadores que abastecessem as necessidades da Colônia e a mobilização de braços para a extração dos recursos naturais (pau Brasil, drogas do sertão). A outra política de sujeição dos índios, por parte dos colonos, era a escravidão pura e simples. Do conflito entre as duas políticas resulta o mérito dos jesuítas em tentar proteger os índios, embora os padres da Companhia de Jesus não tivessem o menor respeito pela cultura indígena.
A série de medidas de proteção aos índios, sobretudo a partir do século XX, garantiu, em parte, condições de sobrevivência e de estabilidade, as quais possibilitaram que esta população alcançasse altas taxas de crescimento, imprescindíveis para que chegasse aos números de hoje. Por outro lado, a organização política dos indígenas permitiu a sua inclusão em inúmeras políticas sociais públicas, aumentando cada vez mais seu protagonismo diante da sociedade nacional.
A educação escolar indígena é uma das dimensões desse protagonismo, sendo o propósito de nosso trabalho apresentar algumas experiências educativas no Brasil de hoje, duas delas aqui mesmo no Espírito Santo, com os Tupinikim e os Guarani e outra no Mato Grosso do Sul, com os Kadiwéu.
Adotamos como conceito de educação indígena aos processos próprios de transmissão e produção dos conhecimentos dos povos indígenas. Por outro lado, a educação escolar indígena, objeto deste trabalho, diz respeito aos processos de transmissão e produção dos conhecimentos não-indígenas e indígenas por meio da escola, que é uma instituição própria dos povos colonizadores. Portanto, a educação escolar indígena refere-se à escola apropriada pelos povos indígenas para reforçar seus projetos socioculturais e abrir caminhos para o acesso a outros conhecimentos universais, necessários e desejáveis, a fim de contribuírem com a capacidade de responder às novas demandas geradas a partir do contato com a sociedade global.
As experiências educativas relatadas brevemente neste trabalho coincidiram em muitos objetivos, citando-se principalmente:
• Aumentar a auto-estima do índio;
• Valorizar a cultura indígena;
• Possibilitar o ensino na língua própria do grupo indígena;
• Formar professores bilíngues;
• Eliminar estereótipos sobre os índios;
• Incentivar a interculturalidade;
• Diminuir os preconceitos contra os índios;
• Mostrar o índio atual em contraposição ao índio histórico;
• Conscientizar os índios de seus direitos;
• Possibilitar a visibilidade e a integração do índio na sociedade nacional.

1. KADIWÉU
Os Kadiwéu; também conhecidos como Kaduveo, Caduveo, Kadivéu, Kadiveo; pertencem à família lingüística Guaikurú, na qual se incluem outros povos do Chaco, que são os Toba (Paraguai e Argentina), os Emók, ou Toba-Mirí (Paraguai), os Mocoví (Argentina), os Abipón (extintos) e os Payaguá (extintos). Dentre estes grupos Guaikurú, os Kadiwéu são os mais setentrionais e o único localizado a leste do rio Paraguai, no Brasil.
Também conhecidos como "índios cavaleiros", integrantes da única "horda" sobrevivente dos Mbayá, um ramo dos Guaikurú, guardam a lembrança de um glorioso passado. Na Guerra do Paraguai, escolheram lutar pelo Brasil, razão pela qual tiveram suas terras reconhecidas, embora até hoje não estejam inteiramente garantidas. A adoção de um vestuário "country" pelos homens Kadiwéu da atualidade revela seu apego a um modo de vida apoiado no uso e criação de cavalos, de que ainda mantêm rebanhos, embora bem menores que os do passado.
No passado, eram organizados numa sociedade que tinha num extremo os nobres e no outro os cativos, viveram do saque e do tributo sobre seus vizinhos, dos quais faziam depender sua própria reprodução biológica, uma vez que suas mulheres não geravam filhos ou permitiam a sobrevivência de apenas um, quando já estavam no final de seu período fértil. Estas mulheres dedicavam-se à pintura corporal e facial, cuja especial disposição dos elementos geométricos Lévi-Strauss considerou como característica das sociedades hierárquicas. Desenhos que impressionam pela riqueza de suas formas e detalhes, a que temos fácil acesso através da vasta coleção recolhida por Darcy Ribeiro, reproduzida no livro que publicou sobre os Kadiwéu.
A Terra Indígena Kadiwéu está no município de Porto Murtinho (MS). Bodoquena é a cidade mais próxima da aldeia maior (60 km), seguida de Miranda e Aquidauana. Campo Grande (310 km) é o centro urbano de maior importância estratégico-administrativa para os Kadiwéu. Ali está sediada a administração da Fundação Nacional do Índio – FUNAI que os jurisdiciona, a associação dos fazendeiros arrendatários (ACRIVAN - Associação dos Criadores do Vale do Aquidaban e Nabileque) e a ACIRK (Associação das Comunidades Indígenas da Reserva Kadiwéu).
Os dados da FUNAI apontam como sendo, em 1999, de 1.041 o total da população Kadiwéu sob a jurisdição do Posto Indígena Bodoquena (que abrange as aldeias Bodoquena e Campina), sediado na aldeia de mesmo nome. A população referente ao Posto Indígena São João, que abrange as aldeias São João e Tomázia, seria de 551, segundo a mesma fonte e data. Cabe notar que, como já foi aludido acima, na aldeia São João vivem principalmente índios Terena e Kinikináo. Por conseguinte, a população total de 1.592 em 1999 corresponde aos índios destas três etnias que habitam a Terra Indígena Kadiwéu e inclui também os Kadiwéu que moram fora dela, de proveniência daquelas aldeias.
Os finos desenhos corporais realizados pelos Kadiwéu constituem-se em uma forma notável da expressão de sua arte. Hábeis desenhistas estampam rostos com desenhos minuciosos e simétricos, traçados com a tinta obtida da mistura de suco de jenipapo com pó de carvão, aplicada com uma fina lasca de madeira ou taquara. No passado, a pintura corporal marcava a diferença entre nobres, guerreiros e cativos.
As mulheres Kadiwéu produzem, igualmente, belas peças de cerâmica: vasos de diversos tamanhos e formatos, pratos também de diversos tamanhos e profundidade, animais, enfeites de parede, entre outras peças criativas. Decoram-nas com padrões que lhes são distintos, que segue a um repertório rico, mas fixo, de formas preenchidas com variadas cores. As matérias-primas de seu trabalho encontram-na em barreiros especiais, que contêm o barro da consistência e tonalidade ideais para a cerâmica durável. Os pigmentos para sua pintura são conseguidos de terras dos mais variados tons, alguns dos detalhes sendo envernizados com a resina do pau-santo. A arte Kadiwéu se expressa também nos cânticos das mulheres velhas, nas músicas dos tocadores de flauta e tambor, e nas danças coletivas.

1.1 Experiência educativa com os Kadiwéu
A experiência dos índios Kadiwéu na educação se assemelha à situação das minorias no que tange a sua participação e retratação nos livros didáticos reproduzidos e distribuídos pelo governo às escolas de todo o país. Os índios não se viam nos livros didáticos e quando se viam se sentiam discriminados, já que os livros sempre os retratavam no passado, como se não existissem índios no presente.
Com isso em mente, objetivou-se promover um Curso de Formação de Professores Indígenas. Professores, estes, que também eram índios. A experiência envolveu 20 alunos em torno dos 25 anos e tinha como principais disciplinas a geografia, a história e as artes.
Além disso, buscou-se promover a valorização da cultura indígena e aumentar a auto-estima desses grupos, principalmente fazendo-os valorizar a sua própria cultura. Para tal, propôs-se que fosse formulado um livro na língua Kadiwéu que inserisse a cultura e a história da tribo para que os índios pudessem se enxergar no processo histórico global da história brasileira.
O curso de formação de professores foi desenvolvido em 40 horas/semanais e seguiu os eixos definidos pelos próprios professores indígenas: 1- aldeia; 2- território indígena; 3- município; 4- Estado. A abordagem dos temas seguiu os princípios da especificidade, interculturalidade, bilingüismo, diferenciação e respeito pela cultura indígena Kadiwéu, visando à eliminação dos estereótipos que cercam as questões étnicas e geram preconceitos e discriminação.
A metodologia utilizada consistiu em investigação, pesquisa participante, coleta de dados em campo, leituras, elaboração de textos e de desenhos, bem como a tradução do material. Os alunos, que também são professores da escola indígena, aplicaram o material experimental em suas aulas a fim de verificar a pertinência dos conteúdos para cada série e efetuaram mudanças e revisões necessárias.
A língua Kadiwéu é complexa e, portanto, precisaria de um lingüista para criação da grafia da língua. Como não foi possível ter este profissional, os próprios alunos se responsabilizaram por criar a grafia de sua língua. Por fim, os livros foram elaborados como ferramentas, construídas pelas próprias mãos dos Kadiwéu, para auxiliar na prática escolar e enriquecer de saberes locais a sala de aula.
A experiência relatada acima foi retratada pelo professor José Luis de Souza no trabalho Desconstruindo preconceitos, construindo livros com as próprias mãos. Estudo ocorrido na Escola Municipal Indígena “Ejiwajegi-Pólo” – município de Porto Murtinho (MS). Abaixo, exemplo de texto bilíngue produzido para o Curso de Formação de professores:

LAMODI
ICA LAKATIGI NOIGI EJIWAJEGI INA ME IDA NIGANIGI ANE OIKA ME OCAšATAšA LAMODI, ODA NIGI ILI IDA NIGANIGI, NIGI ONOJOTEGI ODA ELIODODIPI JOšOO NALOKEGI.
PIDA INI ICA OKO ANE OYOLATICE MENAšA INIA DOJOTECAšA. NAGODI NEšINI ANE OYOLATICE ME DOJOTECAšA IGA NEšIDA NALOKEGI NODITICE ELIODI NODAGI. PIDA NEšIDA LAKATIGI NOIGI EJIWAJEGI JOTIGIDE.
ELEDI LAKATIGI NOIGI EJIWAJEGI, INA ME IDI NEMEšEGI ODA NEšIDI LITACEPODI NEšIDI EMEšEGI JA DINOXOTEGITIBI-GIWAJI ODA ODI ICA ME DININYA-TIBIWAJI, ODA LECAWANIGI ME IDI NIYAšA. ODA NEšINI OKO ANE DININYA AYAKADI ME DABIDITINI, ODA NIGE IGO ANILA INI LIXIGAšAWA.
KADIWÉU
Kadiwéu antigamente era um povo nômade, que vivia da caça. Um povo que soube utilizar o cavalo quando foi para a guerra ajudar o Brasil contra o Paraguai e quando venceu a guerra. Na atualidade, esse povo nunca deixou de criar cavalos e também de utilizá-los na sua cultura e nas festas que continuam vivas no meio desse povo.

2. TUPINIKIM
Os Tupinikim, estimados hoje em cerca de 2.000 indivíduos, são descendentes de povos de mesmo nome que habitavam a costa do atual território do Espírito Santo. Faziam parte da grande família Tupinambá que, no século XVI, dominava a faixa litorânea brasileira, exceto alguns pontos ocupados provavelmente por grupos indígenas da família Macro-Jê.
Pertencem, portanto, ao grande tronco linguístico Tupi, do qual deriva a família tupi-gurani, que abriga a língua que falam. Habitam três terras Indígenas, no norte do Espírito Santo, todas no município de Aracruz, próximo a essa cidade e também à de Santa Cruz e à Vila do Riacho. Atualmente, Caieiras Velhas e Pau-Brasil atendem pelo nome de TI Tupinikim.
A TI Caieiras Velhas, localizada às margens do rio Piraquê-Açu, tem metade da sua área tomada por capoeiras, enquanto a outra metade está dividida entre a mata atlântica, áreas de cultivo e o mangue do referido rio. Teve a demarcação homologada pelo decreto n° 88926, de 27/10/83, e registro no Serviço de Patrimônio da União (SPU) em 1995.
A TI Pau-Brasil tem como um de seus limites o córrego Sahy. Capoeiras e macegas ocupam 70% da sua área, que não possui matas, e 20% do seu espaço é dedicado a cultivos. Sua demarcação foi homologada pelo decreto n° 88672, de 05/09/83, e registro no SPU em 1995.
A TI Comboio, às margens do rio de mesmo nome, tem quase toda a sua área ocupada pela capoeira (50%) e a mata de restinga (40%), pois, com o solo pobre e arenoso, o cultivo é mínimo. Sua demarcação foi homologada pelo decreto n° 88601, de 09/08/83, e registrada no SPU em 1995.
Entre as comunidades Tupinikim, a de Comboios enfrenta as maiores dificuldades, vivendo em condições ambientais de acelerada degradação. O solo de Comboios é arenoso, ácido, de baixa fertilidade.
É constante nestes territórios, a luta pela posse das terras. A devastação das matas teve início a partir dos anos 40, quando a Companhia Ferro e Aço de Vitória (COFAVI) iniciou a produção de carvão vegetal. Os índios chegaram a trabalhar para a empresa, fazendo a derrubada das árvores.
Os anos sessenta foram decisivos na alteração do panorama fundiário. Marcam a chegada da empresa Aracruz Florestal na região, responsável pela constante disputa judicial pela posse das terras para o plantio de eucalipto. Terras anteriormente ocupadas pelos indígenas. A identidade étnica, tanto dos Tupinikim quanto dos Guarani, é manipulada pelos meios de comunicação e pela empresa com o intuito de convencer a sociedade envolvente sobre a não existência de índios no Espírito Santo, relegando-lhes à condição de remanescentes e aculturados. Se não existem índios, não existe também o direito à terra.
Convênios entre a Fundação Nacional do Índio – FUNAI e a Prefeitura de Aracruz, desde meados dos anos 80, mantêm escolas primárias e creches nas três terras indígenas. Data da mesma época, um convênio com a Legião Brasileira de Assistência – LBA que permitiu a criação de cursos profissionalizantes para as famílias indígenas. Em 1995 e 1998 foram realizados em Caieiras Velhas seminários sobre Educação Indígena, voltados para a análise do potencial curricular na produção de uma educação diferenciada.
A Fundação Nacional de Saúde (FNS), a Prefeitura de Aracruz e a FUNAI, desenvolveram projetos voltados para higiene pessoal - construção de banheiros, fossas - além da instalação de postos de saúde nas aldeias. Entretanto, em 1994 encontramos muitas famílias indígenas subnutridas, indicando que o quadro sanitário só será alterado quando existirem melhores condições de sobrevivência para os Tupinikim.

2.1 A formação do educador indígena em Aracruz - ES
No município de Aracruz (ES), a educação escolar para as comunidades Tupinikim e Guarani começou a ser discutida no ano de 1994, quando um grupo de 18 educadores, acompanhados pelo Instituto de Desenvolvimento de Educação de adultos (IDEA) e a Pastoral Indígena, participou de um progresso de formação para trabalhar com a educação de jovens e adultos.
Devido a esse processo, alguns educadores foram contratados pela Secretaria de Educação do Espírito Santo. Em cada aldeia funcionava um espaço (em escola ou em centros comunitários) dedicado à educação de jovens e adultos. As aulas eram ministradas à noite. A referida formação também obteve apoio do Núcleo Interinstitucional de Saúde Indígena (NISI), um órgão constituído por uma comissão geral e três sub-núcleos (Saúde, Educação e Agricultura).
Em 1995, aconteceu o primeiro Seminário de Educação Indígena no município. O seminário tinha por objetivo debater as questões da educação indígena e sensibilizar os órgãos públicos em relação aos direitos dos indígenas e da especificidade de sua educação diferenciada. Durante os anos de 1995 e 1996, o Instituto para Desenvolvimento e Educação de Adultos assumiu a coordenação da construção de um currículo para a formação de educadores Tupinikim e Guarani e, a partir daí, no período de 1996 a 1999, programou o Curso de Magistério Indígena. O curso prioriza formar um grupo de educadores índios indicados por suas comunidades que assumiram, gradativamente, a tarefa de docência nas escolas das aldeias.
Em 2000, a Secretaria Municipal de Educação de Aracruz realizou um concurso publico, o primeiro do Brasil, para a seleção de educadores indígenas, o que permitiu substituir progressivamente o contingente de profissionais não indígenas nas salas de aula das escolas das aldeias. Em 2006, o atendimento escolar à população indígena passou a ser assegurado por 52 educadores índios (46 Tupinikim e 6 Guarani) que atuam em 7 escolas, uma escola de educação infantil e seis escolas de ensino fundamental. As escolas situadas nas aldeias de Pau Brasil, Irajá, Comboio e Caieiras Velhas e Três Palmeiras atendiam 189 crianças As escolas de ensino fundamental nas aldeias também atendem à Educação Infantil e se encontram sob a responsabilidade primeira da secretaria Municipal de Educação.
A formação continuada desses educadores é compartilhada entre alguns profissionais e alunos que atuam na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e profissionais ligados ao Instituto de Pesquisa e Educação (IPE), Secretaria de Estado de Educação (SEDU), Secretaria Municipal de Educação (SEMED), Pastorais Indígenas. Objetivam tais formações auxiliar os educadores a refletir sobre suas práticas, bem assim tornar-se mais eficazes em seus trabalhos de campo, constituindo ferramentas de analise e de ação que lhes permitam se apropriar de instrumentos outros que lhes auxiliarão no trabalho pedagógico.

2.2 A escola indígena infantil em Aracruz - ES
O atendimento ás crianças da educação infantil nas aldeias do município iniciou-se por volta de 1996. Antes dessa data, não havia o atendimento escolar à criança indígena menor de sete anos. Em seu início de funcionamento, os objetivos do atendimento eram essencialmente assistencialistas. Com efeito, a escola estava mais preocupada com o suprimento das necessidades alimentares das crianças que viviam em situação de muita pobreza. A maioria dos educadores que atuava nas salas de aula não era de etnia indígena O total de crianças atendidas nas aldeias abrangia, em média, 50 crianças.

2.3 Metodologias de Ensino
• Contagem dos alunos presentes: a professora desenha no quadro dois bonequinhos, um representando os meninos e outro representando as meninas. Em seguida, pede a um voluntário do grupo dos meninos que venha à frente da sala para contar os meninos presentes. O mesmo se repete com as meninas. Ao final da contagem, escreve abaixo do referido desenho a quantidade equivalente ao número de crianças contadas. Geralmente, quando a criança escreve o numeral, a professora pergunta a turma se a resposta está correta e, em seguida, convida todos para confirmar a resposta contando, agora em conjunto, os meninos e, logo após, as meninas. Para a realização dessa atividade, gastavam-se em média dez minutos.
• Roda da conversa intitulada de “hora da novidade”: essa atividade iniciou-se às 8h10min e terminou às 8h35min. Crianças e professoras estavam sentadas ao chão. A professora iniciou a conversa perguntando aos alunos que haviam brincado, outros que teriam ido até Aracruz com a mãe ou o pai. Após a exposição das crianças, a educadora disse-lhes que sua novidade era informá-los do passeio que fariam para observarem o lixo da aldeia.

3. GUARANI
Os Guarani pertencem ao mesmo tronco linguístico Tupi dos Tupinikim e da mesma família tupi-gurani, que abriga a língua guarani que falam. São oriundos de povos remanescentes do sul do continente americano, ou seja, as bacias dos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e o litoral desde a Lagoa dos Patos (RS) até Cananáeia (SP). No interior, sua fronteira situava-se entre os rios Tietê e Piranapanema.
O grupo Guarani Mbya que habita o Espírito Santo entre os Tupinikim é oriundo do Rio Grande do Sul. Chegados a Aracruz em 1967 , o grupo acreditou ter chegado à “terra sem males”, utopia messiânica estimulada por pajés, principalmente devido a conflitos fundiários em seus locais de origem.
Os Mbya identificam seus “iguais”, no passado, pela lembrança do uso comum do mesmo tipo de tambeao (veste de algodão que os antigos teciam), de hábitos alimentares e expressões lingüísticas. Reconhecem-se coletivamente como Ñandeva ekuéry (“todos os que somos nós”).
A despeito dos diversos tipos de pressões e interferências que os Guarani vem sofrendo no decorrer de séculos e da grande dispersão de suas aldeias, os Mbya se reconhecem plenamente enquanto grupo diferenciado. Dessa forma, apesar da ocorrência de casamentos entre os subgrupos Guarani, os Mbya mantêm uma unidade religiosa e lingüística bem determinada. Fato que lhes permite reconhecer seus iguais mesmo vivendo em aldeias separadas por grandes distâncias geográficas e envolvidas por distintas sociedades nacionais.
O território ou mundo Guarani Mbya, enquanto espaço cartográfico e geográfico é fragmentado e compartilhado por diferentes sociedades e grupos sociais. As aldeias Guarani podem ser formadas a partir de uma família extensa desde que tenha uma chefia espiritual e política própria. O contingente populacional das aldeias Guarani Mbya varia, em média, entre 20 a 200 pessoas, compondo unidades familiares integradas pela chefia espiritual e política. A organização espacial interna das aldeias é determinada pelas relações de afinidade e consangüinidade.
Há uma unanimidade entre os especialistas em assuntos indígenas quanto às dificuldades de quantificar os Guarani. No caso dos Mbya, uma rede de parentesco e reciprocidade se estende por todo o seu território compreendendo as regiões onde se situam as suas comunidades, implicando uma dinâmica social que exige intensa mobilidade (visitas de parentes, rituais, intercâmbios de materiais para artesanato e de cultivos etc.). Desse modo, tecnicamente, seria quase impossível contar os indivíduos. Uma estimativa feita em 2003 cita a quantia de 5.000 a 6.000 índios Guarani Mbya no território brasileiro.

3.1 Escolarização dos Guarani
O tese de doutorado de M. das G. Cota (2008) é um estudo da escolarização dos Guarani do Espírito Santo no contexto da história da educação escolar nacional e das políticas públicas consagradas pela Constituição brasileira de 1988. Documentos oficiais, observações e entrevistas foram fontes do trabalho. A escolarização e a institucionalização da Educação Escolar Indígena (EEI) guarani em nosso estado relacionam-se à luta desse povo pelo reconhecimento dos seus direitos, o movimento nacional dos povos indígenas e o apoio de organizações indigenistas pela institucionalização de políticas públicas que considerem a questão da diversidade cultural.
O início das lutas Guarani e Tupinikim por uma EEI diferenciada remonta a 1995, quando várias organizações governamentais e não-governamentais passaram a apoiá-los. A ajuda fundamental foi direcionada para a formação de professores indígenas e na luta pela terra. Três anos antes, em Itapecerica da Serra (SP), a IV Associação Nacional Guarani definiu os princípios da educação de seu povo: a) escola bilíngüe e alfabetização em guarani; b) os professores devem ser guarani e devem respeitar as tradições; c) as decisões sobre a escola devem ser discutidas com a comunidade; d) a escola deve ensinar a história guarani; e) os guarani devem aprender coisas do mundo não-indígena para não serem ludibriados; f) devem acontecer trocas entre as escolas guarani para formar uma educação escolar unificada; g) as escolas guarani devem ser reconhecidas oficialmente.
Antes da elaboração dessas propostas, em 1987, duas professoras contratadas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) passaram a lecionar para os Guarani do Espírito Santo. Permaneceram nesse posto até 2005, embora não dominassem, em nenhum sentido, o idioma guarani. Seu trabalho era monitorado por crianças e adultos bilíngues que atuavam como intérpretes.
Nesse interregno, em 1993, constituiu-se a primeira ação para instituir uma educação diferenciada nas aldeias guarani e tupinikin do nosso estado. Foi o Projeto de Educação Formal e Popular das Comunidades indígenas.
O projeto apresentava os índios como pobres e oprimidos sem capacidade de reação. Propôs, contraditoriamente, o respeito à diferença e a integração do índio na sociedade brasileira. Apesar do empenho do prof. Waldemar, que lecionou 180h/aulas sobre ensino-aprendizagem da língua guarani, alguns professores queixaram-se de que o curso havia contribuído pouco para sua formação. Não haviam aprendido alfabetizar e a cultura guarani quase não fora tocada. A coordenação do curso enfrentou grande número de faltas e constantes desistências: 50,7% dos alunos matriculados. Apesar disso, no curso aflorou a etnicidade Guarani e Tupinikim.
A Secretaria Estadual de Educação (SEDU) e a Secretaria Municipal de Educação (SEMED) têm dificuldades em lidar com as particularidades culturais do povo guarani, como ficou claro na falta de tato ao lidarem com o problema das duas professoras guarani não tiveram o contrato renovado, pelo que a FUNAI voltou a empregar uma professora monolíngue, deixando os índios mais uma vez sem terem seus direitos atendidos.
O povo guarani possui uma pedagogia própria; sua educação é exercida pela palavra e o guarani é educado a escutá-las, recebê-las do alto, através do sonho, e assim poder falar. Opy (casa de reza) é o primeiro e mais importante espaço de aprendizagem, principalmente da língua.
O respeito é um valor sempre evocado na educação tradicional guarani. Esta desconhece, ou pelo menos conhece mui raramente, sanções, castigos, condenações, prêmios ou recompensas. O respeito à individualidade da pessoa, pode representar uma interdição ao processo de escolarização das pessoas, visto que, em última instância, é a criança quem decide se vai à escola ou não.
Além disso, outro grande desafio é a evasão. Em alguns casos, os maridos proíbem suas mulheres de continuar a estudar. Outras razões que ajudam a explicar a desistência é o horário de funcionamento da escola, seu modelo e organização, a carga diária e anual, bem como o que é ensinado torna-se incompatível às necessidades das pessoas. Muitos índios gostariam de voltar a estudar, mas não numa escola regular. Prefeririam participar de cursos voltados ao etnodesenvolvimento e a auto-sustentabilidade das aldeias. Cabe às autoridades educacionais repensarem a educação indígena desde seus fundamentos para sanar esses problemas.

(Lucimar Simon)

REFERÊNCIAS
• CEERT – Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades; SECAD – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. 2º prêmio educar para a igualdade racial: experiências de promoção da igualdade racial/étnica no ambiente escolar. São Paulo: CEERT, 2004-2005.
• COTA, M.G. Educação escolar indígena: a construção de uma educação diferenciada e específica, intercultural e bilíngüe entre os Tupinikim do Espírito Santo. Dissertação de Mestrado, Vitória, PPGE / UFES, 2000.
• ______. O processo de escolarização dos Guarani no Espírito Santo. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação, 2008.
• CUNHA, Manuela C. da (Org.). História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras/ Secretaria Municipal de Cultura/ FAPESP, 1992.
• FAUSTO, Carlos. Os índios antes do Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2000.
• GONÇALVES, Rosalina Tellis. Linguagem oral na educação infantil indígena: a produção de gênero textual oral valorizada por uma prática reflexiva. Dissertação (Mestrado em Educação) Vitória, PPGE / UFES, 2007.
• GRUPIONI, Luís D. B. Formação de professores indígenas: repensando trajetórias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006.
• INSTITUTO SÓCIO-AMBIENTAL. Povos indígenas do Brasil. Disponível em . Acesso em: 15 set. 2009.
• LUCIANO, Gersem dos Santos. O que você precisa saber sobre os povos indígenas no Brasil de hoje. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2006.

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