VIGIAR E PUNIR
(Michel Foucault)
No estudo da prisão, a originalidade de Foucault consiste em abandonar o critério tradicional dos efeitos negativos de repressão da criminalidade, definido pelas formas jurídicas e delimitado pelas conseqüências da aplicação da lei penal, para pesquisar os efeitos positivos da prisão, como tática política de dominação orientada pelo saber científico, que define a moderna tecnologia do poder de punir, caracterizada pelo investimento do corpo por relações de poder, a matriz comum das ciências sociais contemporâneas.
O objetivo de Foucault, em Vigiar e Punir é descrever a história do poder de punir. Como história da prisão, cuja instituição muda o estilo penal, do suplício do corpo da época medieval para a utilização do tempo no arquipélago carcerário do capitalismo moderno. Assim, demonstrando a natureza política do poder de punir, o suplício do corpo do estilo medieval (roda, fogueira etc.) é um ritual público de dominação pelo terror: o objeto da pena criminal é o corpo do condenado, mas o objetivo da pena criminal é a massa do povo, convocado para testemunhar a vitória do soberano sobre o criminoso, o rebelde que ousou desafiar o poder. O processo medieval é inquisitorial e secreto: uma sucessão de interrogatórios dirigidos para a confissão, sob juramento ou sob tortura, em completa ignorância da acusação e das provas; mas a execução penal é pública, porque o sofrimento do condenado, mensurado para reproduzir a atrocidade do crime, é um ritual político de controle social pelo medo que fará as pessoas submissas à vontade do detentor da força coesiva.
Desse ponto de vista, o sistema punitivo seria um subsistema social garantidor do sistema de produção da vida material, cujas práticas punitivas consubstanciam uma economia política do corpo para criar docilidade e extrair utilidade das forças corporais. A perspectiva histórica da pesquisa de Foucault parece assumir que as relações de produção da vida material engendram as relações de dominação do sistema punitivo, orientadas para (re) construir o corpo como força produtiva, ou seja, como poder produtivo, e como força submetida, mediante constituição de um poder político sobre o poder econômico do corpo. Na linguagem de Vigiar e Punir as relações de saber e de controle do sistema punitivo, constituem a microfísica do poder, a estratégia das classes dominantes para produzir a alma como prisão do corpo do condenado à forma acabada da ideologia de submissão de todos os vigiados, corrigidos e utilizados na produção material das sociedades modernas. Nesse contexto, o binômio poder / saber aparece em relação de constituição recíproca: o poder produz o saber que legitima e reproduz o poder.
No estudo de Foucault, a instituição da prisão substitui o espetáculo punitivo da sociedade feudal, porque a ilegalidade dos corpos da economia feudal de subsistência foi substituída pela ilegalidade dos bens da economia capitalista de privação. Na formação social erigida sobre a relação capital / trabalho assalariado, as ilegalidades são reestruturadas pela posição de classe dos autores: a ilegalidade dos bens das classes populares, julgada por tribunais ordinários, é punida com prisão ao contrário da ilegalidade dos direitos da burguesia, estimulada pelos silêncios, omissões e tolerâncias da legislação, imune à punição ou sancionada com multas, legitimada pela ideologia do contrato social, em que a posição de membro da sociedade implica aceitação das normas e a prática de infrações determina aceitação da punição. Neste ponto, o gênio de Foucault formula as primeiras grandes hipóteses críticas do trabalho, que parece ser o fio condutor da pesquisa descrita no livro, além de vincular Vigiar e Punir à tradição principal da Criminologia.
Por que a prisão, em posição marginal na sociedade feudal, sem caráter punitivo, ligada a ilegalidades e abusos políticos, insuscetível de controle e nociva à sociedade (custos elevados, ociosidade programada etc), se transforma na forma principal de castigo da sociedade capitalista? A resposta a essa pergunta é a disciplina, o conceito fundamental da obra de Foucault definida por Melossi como teoria materialista da ideologia nas sociedades capitalistas. A disciplina é a própria (micro) física do poder, instituída para controle e sujeição do corpo, com o objetivo de tornar o indivíduo dócil e útil: uma política de coerção para domínio do corpo alheio, ensinado a fazer o que queremos e a operar como queremos. O objetivo de produzir corpos dóceis e úteis é obtido por uma dissociação entre corpo individual, como capacidade produtiva, e vontade pessoal, como poder do sujeito sobre a energia do corpo funcional das forças corporais em aparelhos eficientes.
(Lucimar Simon)
Um comentário:
mt bom , era tudo que eu precisava pra fazer meu trabalho :D
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