AVALIAÇÕES SISTÊMICAS: O CASO DO ENEM E O ENSINO DE HISTÓRIA
A despeito das polêmicas em torno de aspectos metodológicos das avaliações sistêmicas, a conclusão é a de que as escolas não se mostravam efetivas, como se supunha, para eliminar déficit de aprendizagem que derivavam de desigualdades econômicas, sociais e culturais nas famílias dos estudantes. Na análise sociológica, esses resultados fundamentavam o ceticismo quanto ao papel da escola. Convergiam com as teorias de reprodução social e cultural de que a educação escolar na sociedade capitalista não apenas conserva como até reforça e legitima a estrutura social existente.
Essa complexidade do mundo atual e essa avalanche de informações tornam necessário um conhecimento explicativo para entender o propósito destas mudanças e transformações. O volume e a intensidade da discussão acerca das questões atinentes ao ensino em geral e ao ensino de História em particular estiveram ligados de modo bastante significativo ao sucesso das publicações da Educação Crítica de Paulo Freire e com o aceleramento das transformações nos campos internos e externos dos aspectos econômico, político, cultural e social, tornando assim cada vez mais sistematicamente discutido e estudado o ensino geral no âmbito dos sistemas educacionais e as suas formas avaliativas do processo de ensino aprendizagem.
Chamada a rever suas práticas, a escola, como, uma instituição social, encontram-se neste momento num processo dinâmico de renovação de valores, princípios, conteúdos e formas, na perspectiva de uma ação significativa, competente e comprometida com a melhoria de vida da população e com o engajamento em novo tempo. Entretanto, mudanças de toda ordem têm-se apresentado como um cardápio, em âmbito mundial, para aqueles que vivem a instituição em seu cotidiano. Dúvidas, incertezas, descrenças, resistências, entusiasmos, desejos e dificuldades tornaram-se sentimentos freqüentes entre os gestores, docentes e toda a comunidade escolar, misturados à expectativa de novas possibilidades para o desenvolvimento do trabalho educativo.
Avaliação Sistêmica
“Avaliação Sistêmica é uma modalidade de avaliação, em larga escala, desenvolvida no âmbito de sistemas de ensino visando, especialmente, a subsidiar políticas públicas na área educacional. Constitui-se em um mecanismo privilegiado capaz de fornecer informações, sobre processos e resultados dos sistemas de ensino, às instâncias encarregadas de formular e tornar decisões políticas na área da educação”. Isto é, os Governos Municipal, Estadual e Federal.
A introdução da avaliação em larga escala na regulação da educação básica se deu no contexto de crise do Estado desenvolvimentista, num quadro de busca de recomposição do poder político, simbólico e operacional de regulação pelo Estado central e de restrições à sua atuação na área social, ligando-se ao movimento reformista que, no ingresso dos anos 1990, impôs uma nova agenda para a área social. Essa agenda apontou para uma reorganização profunda dos princípios e parâmetros de estruturação das políticas sociais, remetendo à questão da reforma do Estado e dos caminhos da modernização do País.
No decorrer dos anos de 1990, acentuadamente no período posterior a 1994, a sociedade brasileira viu ganhar centralidade o tema da qualidade do ensino como objeto de regulação federal, cuja viabilidade exigira o aporte de um sistema de informações educacionais conjugado a um sistema nacional de avaliação. Ambos são considerados elementos estratégicos da “boa-governança educacional” no país entendida como exercício dinâmico do ato de governar que implica capacidade de coordenação, de liderança, de implementação e de produção de credibilidade.
Os escritos que introduzem modelos e metodologias de avaliação em larga escala nos meios educacionais brasileiros, têm a preocupação de, por meio deles, delinear o perfil cognitivo da população, permitindo reconstituir detalhes da trajetória escolar de populações que freqüentam a escola e identificar a transição de um estágio cognitivo dos sujeitos para outro. Podem ser utilizados também para estabelecer relações entre o perfil cognitivo e cultural de segmentos da população com os novos modelos de organização da produção, bem como com os novos pleitos de participação nas sociedades contemporâneas.
Um dos principais desafios do ensino de história na atualidade é compreender qual o papel dos acontecimentos do presente no entendimento da disciplina escolar de História. Esse é um desafio que implica ultrapassar os limites do mero entender e do anacronismo, tão constantes às relações entre presente e passado, na sala de aula. O desenho de uma aula de história que conjugue o conhecimento do passado como suporte para a compreensão de quem somos no presente e, ao mesmo tempo, se utilize dos acontecimentos do presente para problematizar a escrita do passado, é um desenho difícil de ser esboçado. Não há dúvida, entretanto, que tal esboço é perseguido, há muito, por professores e pensadores do campo.
O debate sobre ensino/aprendizagem da História tem, há tempos, dado voltas em torno das mesmas questões: o que fazer para que o aluno se sinta sujeito do processo histórico? Como levá-lo a se perceber também como sujeito de seu próprio conhecimento? De que modo conseguir uma reflexão conjunta de professores e alunos, considerando-se as precárias condições do ensino no Brasil? Como trabalhar em classe com fontes históricas? Este trabalho enfoca toda essa discussão. Não se limitando à análise crítica, necessária, mas insuficiente, ele chega a propostas concretas, que podem ser pontos de partida para a reformulação das práticas do ensino.
As limitações das questões postas pelas avaliações sistêmicas são os principais questionamentos dos intelectuais que criticam esses modelos de avaliações. Num modelo raso de formulação fica visto a não efetiva introspecção do aluno, ou seja, do participante que esta ali no presente momento realizando a prova. Basta que o mesmo leia as questões e com pouco esforço mental concluirá a questão sem maiores dificuldades, ficando assim expressa mais uma avaliação de interpretação de texto do que uma reflexão teórica sobre o assunto histórico no âmbito da questão abordada. Isso deixa a avaliação enfraquecida na construção do entendimento de alguns intelectuais que debruçam sobre estas questões avaliativas de conteúdo.
O que é o Enem?
O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é uma prova criada em 1998 pelo Ministério da Educação do Brasil. É utilizada como exame de acesso ao Ensino Superior em universidades brasileiras e como ferramenta para avaliar a qualidade geral do Ensino Médio no país. E como o próprio nome já diz, é um exame aplicado em todo o país, com o objetivo de proporcionar uma auto-avaliação do aluno através das habilidades e competências que formam o exame. É uma prova feita especialmente para os estudantes do ensino médio, porém não possui idade limite, e pode ser realizada por qualquer pessoa, desde que a mesma tenha concluído o ensino médio. Antigamente era um exame pouco valorizado pelos alunos, mas foi-se o tempo em que o ENEM era deixado de lado pelos estudantes. Agora a maioria dos participantes valoriza a prova da mesma forma que o vestibular, já que um bom desempenho no ENEM é a porta de entrada para uma universidade, principalmente através das bolsas oferecidas pelo Pro Uni.
Análise de questões do Enem
Questão 48 (Enem, 2003). Resposta (E) Prova amarela
Observe as duas afirmações de Montesquieu (1689-1755), a respeito da escravidão:
A escravidão não é boa por natureza; não é útil nem ao senhor, nem ao escravo: a este porque nada pode fazer por virtude; àquele, porque contrai com seus escravos toda sorte de maus hábitos e se acostuma insensivelmente a faltar contra todas as virtudes morais: torna-se orgulhoso, brusco, duro, colérico, voluptuoso, cruel.
Se eu tivesse que defender o direito que tivemos de tornar escravos os negros, eis o que eu diria: tendo os povos da Europa exterminando os da América, tiveram que escravizar os da África para utilizá-los para abrir tantas terras. O açúcar seria muito caro se não fizéssemos que escravos cultivassem a planta que o produz.
(Montesquieu. O espírito das leis.)
Com base nos textos, podemos afirmar que, para Montesquieu,
(A) o preconceito racial foi contido pela moral religiosa.
(B) a política econômica e a moral justificaram a escravidão.
(C) a escravidão era indefensável de um ponto de vista econômico.
(D) o convívio com os europeus foi benéfico para os escravos africanos.
(E) o fundamento moral do direito pode submeter-se às razões econômicas.
Na analise da questão nota-se as seguintes competências e habilidades.
Competência de área 3 - Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 - Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 - Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
H15 - Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência de área 5 - Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 - Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 - Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 - Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 - Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 – Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Questão 61(Enem, 2005). Resposta (A) Prova azul
Zuenir Ventura, em seu livro “Minhas memórias dos outros” (São Paulo: Planeta do Brasil, 2005), referindo-se ao fim da “Era Vargas” e ao suicídio do presidente em 1954, comenta:
Quase como castigo do destino, dois anos depois eu iria trabalhar no jornal de Carlos Lacerda, o inimigo mortal de Vargas (e nunca esse adjetivo foi tão próprio). Diante daquele contexto histórico, muitos estudiosos acreditam que, com o suicídio, Getúlio Vargas atingiu não apenas a si mesmo, mas o coração de seus aliados e a mente de seus inimigos.
A afirmação que aparece “entre parênteses” no comentário é uma conseqüência política que atingiu os inimigos de Vargas aparecem, respectivamente, em:
(A) a conspiração envolvendo o jornalista Carlos Lacerda é um dos elementos do desfecho trágico e o recuo da ação de políticos conservadores devido ao impacto da reação popular.
(B) a tentativa de assassinato sofrida pelo jornalista Carlos Lacerda por apoiar os assessores do presidente que discordavam de suas idéias e o avanço dos conservadores foi intensificado pela ação dos militares.
(C) o presidente sentiu-se impotente para atender a seus inimigos, como Carlos Lacerda, que o pressionavam contra a ditadura e os aliados do presidente teriam que aguardar mais uma década para concretizar a democracia progressista.
(D) o jornalista Carlos Lacerda foi responsável direto pela morte do presidente e este fato veio impedir definitivamente a ação de grupos conservadores.
(E) o presidente cometeu o suicídio para garantir uma definitiva e dramática vitória contra seus acusadores e oferecendo a própria vida Vargas facilitou as estratégias de regimes autoritários no país.
Na analise da questão nota-se as seguintes competências e habilidades.
Competência de área 3 - Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais, políticas e econômicas, associando-as aos diferentes grupos, conflitos e movimentos sociais.
H11 - Identificar registros de práticas de grupos sociais no tempo e no espaço.
H12 - Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades.
H13 - Analisar a atuação dos movimentos sociais que contribuíram para mudanças ou rupturas em processos de disputa pelo poder.
H15 - Avaliar criticamente conflitos culturais, sociais, políticos, econômicos ou ambientais ao longo da história.
Competência de área 5 - Utilizar os conhecimentos históricos para compreender e valorizar os fundamentos da cidadania e da democracia, favorecendo uma atuação consciente do indivíduo na sociedade.
H21 - Identificar o papel dos meios de comunicação na construção da vida social.
H22 - Analisar as lutas sociais e conquistas obtidas no que se refere às mudanças nas legislações ou nas políticas públicas.
H23 - Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades.
H24 - Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades.
H25 – Identificar estratégias que promovam formas de inclusão social.
Conclusão
Percebe-se a nítida irrelevância das questões no que se atinam as verdadeiras preocupações que tem os historiadores com as questões de História pelo Enem abordado. Nota-se uma superficialidade muito grande do conteúdo e pouca preocupação com o verdadeiro saber histórico, o que remete a questionar se este aluno realmente está preparado. Tirar a educação deste contexto sem maiores prejuízos as suas bases existenciais seria inevitável, no entanto nos deixar acreditar que não existem possibilidades de reestruturação é negar o próprio sentimento de processo reformador. Estas ações que traduzem a transformação da educação em uma complexa relação produtiva e mercadológica por conglomerados empresariais e capitalistas com idéias neoliberais que fazem da educação uma moeda, ou ainda mais uma mercadoria com valor mercadológico e de livre circulação e manipulação pelos setores determinantes do poder. O fracasso ou a conquista, neste mercado, nada tem a ver com a coletividade no caso, representada pelo Estado. Colocar no mercado o poder absoluto de prover e garantir todas as necessidades humanas, e mais, isolar os indivíduos como únicos responsáveis pelo seu sustento, foram idéias que se mostraram ineficazes na prática.
(Lucimar Simon)