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domingo, 25 de julho de 2010

Texto: A HISTÓRIA DO TRÁFICO NEGREIRO

A HISTÓRIA DO TRÁFICO NEGREIRO

A história do tráfico é muito complexa e remota, cabendo às mais antigas sociedades das nações e a todos os povos da alta antigüidade, portanto não cabendo aos portugueses a sua primazia, que por sua vez são descendentes de povos que também foram escravizados e dominados por outros mais poderosos. Em toda a África, desde épocas imemorais, a escravidão militar ou escravidão histórica a que é própria de todas as sociedades humanas numa fase de sua evolução política e que dessa escravidão nasceu a escravidão mercantil, não só as guerras criaram a escravidão, mas também as religiões pois as vitorias do islamismo deram como resultado o estabelecimento do trafico pelo extremo nordeste do continente africano e como o religioso muçulmanos penetrou até o coração da África, as legiões do profeta conseguiram manter o monopólio do comercio do interior e o trafico de escravos destinados a suprir o sul da Ásia e grande parte do Mediterrâneo Oriental, e esse trafico ampliou-se para todo o norte da África, e pelo fato este tráfico teve então dois vastos emontórios que foram o leste pelo Mar Vermelho e do norte do deserto até o Maghreb e no principio do século XV e que se puseram os primeiros navegantes cristãos em relação com os escravos da costa africana do oeste.
A Companhia do Estado do Maranhão em 1679, Companhia da Costa da África em 1723,Companhia do Grão Pará e Maranhão, Companhia de Comércio de Pernambuco e Paraíba que foram criadas pelo Marquês de Pombal, desta maneira podemos atestar que o transporte de negros da África era o melhor e mais rendoso negocio da época. E as raças transportadas durante o longo período negreiro e que se distribuíam por toda a África pode ser assim enumeradas: do grupo de Guiné e Nigricia foram exportadas os Jalofos (aptos a ida do mar), Mandingas (convertidos ao Maometismo eram inteligentes e empreendedores), Yorubas ou Minas (fortes, robustos e hábeis), Felupos (os mais selvagens), Fulas que se dividiam em pretos, vermelhos e forros (eram descendentes dos chamita), Sectários de Maomet (eram os mais valentes e organizados), Balantos ( gentios democratas), Biafadas ( eram robustos, atléticos, esforçados, bons marinheiros), Papéis, Manjacos, Nalus, Bahuns.
E do Congo e Angola tiveram do grupo Banto foram os Ba-Congos (mais adiantados da África), Djaggas ( convertidos ao cristianismo), Cabindas (excelentes trabalhadores), Mussurongos, Eschicongos, Jagas e seus afins Ban-Galas e do grupo Fiote tivemos os Bamba e os Hollos, Ambaquistas, e do sertão tivemos os Ma-Quiocos (hábeis caçadores), Guissamas (valentes e hábeis), Libollos (pacíficos e agricultores), todos do grupo Bunda, e o do grupo N`bundo vieram os Ba-Nanos, Ba-Buenos, Bailundos (todos eram altos, fortes e aguerridos), Bihenos (artistas), Mondombes, e do grupo Janguellas ou Baagangellas tiveram os Ambuellas (mineradores de ferro), Guimbandes (pacíficos e artistas) Banhanecas e Ba-Ncumbis (pastores e agricultores) e dos grupos Bantos Orientais foram os Macuás (inteligentes e faladores), Manimdis e Manguanguaras (selvagens) Nyanjas ou Manganjas (inteligentes e pacíficos), Mavias (pescadores) e do Senegal tivemos os Muzinhos, Moraves e Ajaus (mercadores de marfim) e do ramos de Bochimanos e Hotentotes tiveram os Ba-Cancalas, Bacubaes, Ba-Corócas, Ba-Cuandos, Ba-Cassequeres, Basutos e Bechuanas, Nubios.

(Lucimar Simon)

domingo, 18 de julho de 2010

Texto: A POLÍTICA ARMADA: FUNDAMENTOS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA

A POLÍTICA ARMADA: FUNDAMENTOS DA GUERRA REVOLUCIONÁRIA

Texto: PIERRE, H. L. S. A política armada: fundamentos da guerra revolucionária.

Capítulo 4 – REVOLUÇÃO E INSURREIÇÃO

O autor inicia o texto falando que “nem todo movimento insurrecional é revolucionário”. A insurreição é o momento mais culminante da guerra revolucionária. “É o momento em que a massa revolucionária do povo, [...] armada e revoltada, toma a rua e o Estado, engolindo [...] as antigas estruturas e aparelhos de dominação, para deixar o campo limpo e adubado para novas formas de organização social”. (Ele vai discutir como “a insurreição foi se constituindo em um sofisticadíssimo instrumento da revolução”.)
Historicamente a insurreição era resultado da reação espontânea da indignação das massas despertada pelo Estado. “Era uma explosão social sem nenhuma direção, apenas uma reação”. O que provoca a insurreição pode ser variado e circunstancial.
A liderança da insurreição “é alcançada e legitimada pela capacidade de mando demonstrada nos campos religiosos, militar, político, etc”.
As insurreições espontâneas e inconscientes das massas levaram a classe dominante a perceber a “perigosa potencialidade de combate da massa enfurecida e insubordinada”. O que levou ao aperfeiçoamento do aparato repressivo dos dominantes para garantir sua posição de domínio e, concomitantemente, o povo aprendeu que “sua ação dependia da organização e preparação da violência desencadeada”. A insurreição já não podia ser espontânea, já que “as forças armadas governamentais foram materialmente muito bem equipadas pela classe dominante, e tática e moralmente treinadas para enfrentar e atirar no povo mal armada e pior adestrado”.
No século XIX a burguesia que havia assumido o poder pela sua prática revolucionária já não seria surpreendida pela suas próprias armas e nem cometeria os mesmos erros que permitiram sua ascensão ao poder. Agora ela passou a contar com um exército bem armado e disciplinado que reprimia as manifestações de rua. O sistema de contra-revolução que a burguesia desenvolvera era extremamente eficaz contra as insurreições desorganizadas das massas populares.
Daí a importância que Engels e Marx deram às questões militares: “para enfrentar a burguesia com alguma possibilidade de êxito, os revolucionários deviam estudar e aprender a arte da guerra desenvolvida por ela”. Devem estar atentos “à natureza das partes envolvidas no confronto, seu grau de organização, sua capacidade combativa, seus vínculos políticos, etc., e às circunstâncias próprias da ação”.
Segundo Engels as massas insurgentes (povo) devem fustigar permanentemente as tropas reacionárias (do governo) e mantê-las na defensiva. Porque conter o avanço insurrecional é entregar a iniciativa ao inimigo, permitindo que ele reorganize suas tropas, concentre suas forças e despeje seu poder de fogo sobre as massas. O quartel da insurreição é a rua e sua estrutura dificulta manobras defensivas eficazes.
“O movimento insurrecional deve avançar por pequenas vitórias quotidianas, pois delas depende o espírito combativo das massas. A satisfação dos êxitos permanentes, por pequenos que possam ser, assegura a coesão popular e proporciona o ânimo necessário para continuar na luta”. Além de produzirem “efeitos devastadores nas tropas repressoras que começam a duvidar da vitória fácil sobre o povo mal armado, a vacilar sobre seu compromisso com uma causa que não sentem como própria, para finalmente se juntar aos esforços populares da insurreição armada”.
O levante insurrecional deve ser largamente planejado para evitar o choque militarmente desigual com as forças reacionárias.
Para Lênin “as revoltas são a mais clara manifestação do descontentamento popular, que dão lugar à luta de greves organizadas e às manifestações políticas; temperadas ao calor da repressão, estas vão sendo reforçadas ou substituídas pela resistência armada. [...] Mas um passo decisivo para a vitória da insurreição é dado quando parte do exército regular se desprende e passa para o lado da revolução”. São as partes desse exército que formarão o embrião do exército revolucionário. Para Lênin o moderno exército burguês era a manifestação mais acabada da força, portanto a criação de um exército revolucionário indicava a apropriação, por parte do povo, da ciência guerreira da burguesia.
Em seguida o autor passa a falar dos elementos constitutivos da insurreição: são os princípios estratégicos da insurreição a) ofensiva; b) oportunidade; c) unidade de comando; d) surpresa.
Ofensiva: O autor fala de dois sentidos diferentes que o conceito insurreição pode ter. Insurreição como fenômeno político que se caracteriza pelo longo processo de organização, dinamização e movimentação das massas; que pode estar composto de várias frentes, a política, a militar, a estudantil, a sindical, as milícias, as guerrilhas, etc.; e cujo objetivo final é a tomada de poder. Logo, nesse sentido político, a insurreição consiste uma totalidade estratégica que vai “desde a conspiração até o assalto final, a batalha decisiva”. Outra concepção de insurreição é a que a enxerga do ponto de vista estratégico caracterizado apenas pelo momento culminante do assalto final, do exercício político da tomada do poder, da revolta, da sublevação, a parte mais visível e virulenta da insurreição.
- Tática e estratégia ofensiva ou defensiva: O autor discute a postura da insurreição quanto a uma postura ofensiva ou defensiva. A insurreição do ponto de vista estratégico deve ser defensivo (porque o poder de fogo do exército da classe dominante são mais fortes) e como momento tático, ofensivo. No desenrolar dos acontecimentos insurrecionais deve assumir alternadamente táticas ofensivas e defensivas a fim de preservar as próprias forças e atacar as forças inimigas. A guerra insurrecional deve ser no nível político, ofensivo (porque visa tomar o poder e por isso deve assumir iniciativa política); no nível estratégico deve ser defensivo (porque suas forças em relação ao exército da classe dominante são inferiores; deve resguardar suas forças para ganhar tempo para se fortalecerem); e no nível tático deve ser ofensivo (evitando posições defensivas fixas, já que essas seriam alvo fácil para maior poder de fogo do inimigo).
- “Embora a estratégia geral da insurreição só possa ser uma estratégia defensiva – dada a desproporção desfavorável de força, [...] –, ela só admite o emprego de táticas defensivas móveis ou táticas ofensivas de intensidade de violência crescente até a vitória”. O emprego de táticas ofensivas não caracteriza, por sua vez, uma estratégia ofensiva. O movimento insurrecional só pode assumir uma estratégia ofensiva com a formação de um exército regular. Os confrontos devem ser planejados e avaliados para evitar derrotas: deve-se dar combate com a certeza da vitória.
- Assim a guerra revolucionária é uma guerra de movimento em que se revezam passos defensivos e ofensivos. A principal característica das insurreições vitoriosas é a sua mobilidade.
Oportunidade: “A oportunidade é a compreensão histórica do momento vivido. É a sensibilidade do ator histórico para perceber a correta maturação dos acontecimentos para colher os frutos esperados. [...] Aproveitar a oportunidade é agir na situação em que nossas forças se encontrem na máxima potência e as do inimigo minimizadas, que nossa possibilidade de êxito seja quase absoluta e a de fracasso, nula.
Unidade de comando: “A fisionomia heterogênea dos movimentos de massa faz com que o êxito da insurreição dependa da coordenação das operações dos diferentes agrupamentos que fazem parte dela. [...] A centralização decisória é crucial para garantir o êxito de operações combinadas que requeiram a participação de diferentes frentes. Não há possibilidade de consolidar um triunfo militar sem comando unificado”.
Surpresa: resulta de duas características, o sigilo e a rapidez. É difícil lograr a surpresa no nível político porque as posições são claramente manifestas e atingem o nível da violência física quando os recursos pacíficos foram esgotados. No entanto, no nível das operações táticas a surpresa mostra toda sua eficácia.
“A insurreição deve surpreender as forças reacionárias, mas não o povo”. Este deve ser objeto de um trabalho político prévio de esclarecimento e preparação. “A insurreição é apenas a manifestação explosiva de um longo processo preparatório na adversidade necessária da clandestinidade”.
O autor fala ainda do dispositivo insurrecional definido por: a) estrutura; b)sistemas; c) comunicação e propaganda; d) inteligência; e) comando. Este “dispositivo insurrecional é a estrutura organizativa e operacional da insurreição”. São todas as forças socialmente operantes unidas intervindo positivamente no projeto insurrecional.
Estrutura: fala da quantidade de frentes que podem atuar numa insurreição pode ser grande e variada. “A correta coordenação das frentes é o que dá ao dispositivo [a insurreição] flexibilidade e mobilidade”. A organização das mais diversas frentes da insurreição “pode estar presente de maneiras diferentes em muitos lugares simultaneamente”. A versatilidade das frentes e sua articulação “pode, sincronizando operações isoladas, distrair o aparato repressor, como pode, realizando-as todas simultaneamente com ampla distribuição territorial, dividi-lo e isolá-lo, mas também pode concentrar todas suas forças em um único golpe para causar grandes estragos ou uma derrota decisiva”. “A flexibilidade do dispositivo consiste em poder golpear no momento adequado, com instrumento preciso, no local e com a força necessária”.
Sistemas: fala da necessidade de se ter unidade da ação pela comunicação, inteligência e capacidade de mando quando se vai realizar o objetivo político claramente determinado. “A unidade da ação significa direcionar e concentrar o esforço de todas as frentes do dispositivo para satisfazer o fim estratégico”. Para que a insurreição seja eficaz deve ser caracterizada “pela univocidade decisória e a unidade de comando”.
Comunicação e propaganda: o autor fala que as massas são facilmente influenciáveis pela propaganda e por isso mesmo deve ser reforçado o caráter de sua conscientização na clareza dos objetivos e dificuldades de um confronto prolongado. Ele defende que “a comunicação é o sistema linfático do dispositivo”, ou seja, da insurreição. Porque “leva as informações e ordens do centro à periferia e vice-versa”. Ela deve ser amplamente difundida (para todas as frentes do movimento) e centralizada (tendo alto grau de coerência e unidade política). As ordens, mudanças de táticas, acontecimentos devem ser “rapidamente divulgados, de forma periódica, para todas as frentes” – por isso a importância da centralização. A comunicação deve ter uma linguagem o mais coloquial possível se direcionar a um público geral da insurreição, mas também uma linguagem mais técnica específica para cada frente à qual se destina.
Inteligência: O autor defende que “o sistema de informação e inteligência representa o órgão sensível do dispositivo insurrecional”. É este sistema que os líderes da insurreição “obtém todos os dados necessários para ter uma noção o mais exata possível do funcionamento do próprio dispositivo, do meio geográfico e psicossocial no qual ele deve agir, e das características do inimigo”. A liderança e também as frentes devem conhecer o terreno em que vai se ter o confronto, a situação social da população, se esta é simpatizante ou não do movimento, e, sobretudo, conhecer intimamente o inimigo em sua vulnerabilidade e potência.
Comando: a insurreição deve ter um comando político que deve dar unidade e direção política ao movimento; um comando militar para direcionar as forças sublevadas; e por fim, um comando supremo cujo caráter é político-militar que subordina os comandos anteriores e “que dá unidade política e direção militar a todo o movimento no seu caminho revolucionário”.

Capítulo 5 – O POVO EM ARMAS – GUERRA POPULAR

O autor aborda a análise de Carl Von Clausewitz na teoria de armar o povo para enfrentar o inimigo invasor. Clausewitz formula cinco condições para o sucesso de uma guerra com o povo armado. 1) A guerra deve ser drenada para o interior do país, porque assim o soldado-cidadão que conhece seu próprio território pode se locomover, esconder e descansar sem ficar vulnerável ou dependente do exército regular. 2) O tipo de guerra adequado ao povo armado é de desgaste, de manobra, não apresentando frente fixa para que o inimigo consiga cercá-lo e aniquilá-lo. Deve vencer o inimigo pelo cansaço e não buscar a vitória num único combate. Deve atacá-lo nas suas linhas de provisões e não no grosso ou na parte mais forte do exército inimigo. 3) A guerra deve abraçar extensão considerável do território com o intuito de impedir que o inimigo o combate em uma frente única. Deve se espalhar no terreno obrigando o exército inimigo a penetrar no território dividido em várias frentes, enfraquecendo suas forças e debilitando sua capacidade de fogo. 4) As medidas tomadas devem corresponder ao caráter nacional. A guerra deve ser para a defesa do povo, da identidade cultural e moral da nação. 5) As características geográficas do país devem servir de teatro das operações. Quanto mais acidentado e grande for o território, maiores as chances de defendê-lo. Clausewitz defende que “o armamento do povo não é uma estratégia, mas sempre funciona como tropa auxiliar do exército regular”. Sua função é desgastar o inimigo.

GUERRA MAOÍSTA

Capítulo 6 – GUERRILHA E REVOLUÇÃO

A guerrilha pode ser utilizada por uma política tanto revolucionária quanto reacionária. É sempre a definição política que caracterizará a guerrilha e não o contrário. Não é a tática que define o tipo de guerra, mas a política que a comanda.
Florestan Fernandes defende que o Estado se desenvolve a partir de uma de suas estruturas burocráticas: as Forças Armadas. Ou seja, defende que o Estado se desenvolve a partir da guerrilha. Fernandes defende que o guerrilheiro ainda não é político. Pierre discorda. Ele defende o nascimento do homem político como guerrilheiro e discorda da idéia de que do guerrilheiro nasceu o político. Fernandes “transformou a guerrilha, que é uma tática de guerra e que, como tal, pode ser instrumento da ação revolucionária, em princípio estratégico e fundamento político da revolução”.
O autor cita Carl Schmitt que define quatro características que definem a singularidade do guerrilheiro: a irregularidade, a mobilidade, o intenso compromisso político e o caráter telúrico. “A guerra revolucionário não combate apenas o exército e o domínio político da classe no poder, mas também a ordem jurídica que fundamenta e dá-lhe suporte”.
A irregularidade da guerrilha se dá do ponto de vista tático. É uma forma armada não regular, ou seja, “não possui nenhuma das características identificadoras do exército regular, como uniforme reconhecido, bandeiras identificatórias, hierarquia rígida, reconhecimento internacional” – logo, se difere das tropas regulares. A sua irregularidade só é definida por meio da regularidade de outrem, no caso, o exército regular se antagoniza com o exército irregular.
A ilegalidade é própria da tática de guerrilha. Os meios que se utiliza nessa forma de luta é que caracteriza o guerrilheiro num “fora-da-lei”. Além disso, o guerrilheiro busca quebrar a ordem institucional vigente que o declara como um “contra a lei”.
O intenso compromisso político dos que compõem a guerrilha tem um único objetivo: a conquista do poder político. É esse objetivo que não caracteriza o guerrilheiro como um criminoso e a guerrilha como atividade criminosa, pois ao contrário dos bandidos, não se utilizam da guerrilha para obter lucro fácil.
A mobilidade tática é essencial na tática de guerrilha porque assim o guerrilheiro pode surpreender o inimigo com ataques rápidos e novamente sumir sem deixar rastros. O guerrilheiro, ao contrário do exército regular se caracteriza pelo mínimo de apetrechos bélicos possíveis, justamente para facilitar sua mobilidade. Ele “não precisa de grandes estradas para se locomover, nem de grandes acampamentos para descansar, nem de grandes linhas de abastecimento para comer”.
O caráter telúrico se refere ao objetivo da guerrilha em defender sua terra do inimigo invasor: é o uso da idéia de defesa da pátria. Esse caráter telúrico da guerrilha se perde com Che Gravara que transforma a teoria da guerrilha ao defender que o mundo é o gigantesco teatro no qual ocorreriam as operações, já que a guerra não deveria ter caráter nacional, mas internacional, universal contra o inimigo imperialista. A revolução era uma causa universal em defesa da liberdade.
A guerrilha tem por objetivo tático na guerra revolucionária “criar focos político-militares de resistência que, a partir da propagação e da criação de uma base fixa, consigam se desenvolver e crescer até formar um exército regular que possa buscar a decisão por meio do combate”.

(Lucimar Simon)

domingo, 11 de julho de 2010

Texto: A TRANSFORMAÇÃO IDEOLÓGICA

Texto: A TRANSFORMAÇÃO IDEOLÓGICA

Ernesto Che Guevara

16. O socialismo e o homem em Cuba

Che Guevara se propõe a refutar a crítica dos porta-vozes do capitalismo que dizem que o período de construção do socialismo em Cuba se caracteriza pela “abolição do indivíduo ao altar do Estado” (p. 175). Vai fazê-lo, não a partir de uma base teórica, mas da experiência real em Cuba.
As ações revolucionárias começaram em 26 de julho de 1953 e culminaram na vitória em 1º de janeiro de 1959. Em julho, o ataque ao quartel de Moncada foi um fracasso, com a prisão dos sobreviventes e sua posterior anistia. Nesse momento, havia apenas os germes do socialismo e o homem era um fator fundamental. Com nome e sobrenome, o fracasso ou sucesso das ações dependia dele. A luta guerrilheira desenvolveu-se em dois ambientes: (1) o povo, ainda adormecido e não mobilizado; e (2) a guerrilha, sua vanguarda, a impulsionadora do processo. Na vanguarda, no processo de proletarização do pensamento do guerrilheiro, o indivíduo foi o fator fundamental. Foi uma fase heróica, onde alguns se destacaram e obtiveram seus galões. Ali, na atitude dos combatentes se visualizava o homem do futuro. Do ponto de vista ideológico, Che afirma que a tarefa fundamental será perpetuar essa atitude heróica na vida cotidiana.
Em fevereiro de 1959, Fidel Castro, com a renúncia do presidente Urrutia diante da pressão das massas, assume a chefia do governo com o cargo de Primeiro Ministro. A partir daí a massa será um personagem sistematicamente presente que seguirá Fidel Castro sem vacilar. Para Guevara trata-se de um grau de confiança conquistado em função da “interpretação cabal dos desejos do povo” por parte de Castro (p. 177). A reforma agrária, a administração das empresas estatais, a resistência à CIA e a crise de Outubro são exemplos de participação da massa com entusiasmo e disciplina na construção do socialismo. Aparentemente, do ponto de vista superficial, pode parecer que há subordinação do indivíduo ao Estado, mas, segundo Guevara (loc. cit.), a iniciativa que parte de Fidel ou do alto comando revolucionário “[...] é explicada ao povo, que a acata como sendo sua”. Acrescenta que quando o Estado erra, o entusiasmo coletivo diminui: é o momento da correção!
Guevara assevera que é difícil entender para quem não vive a experiência revolucionária a estreita unidade dialética existente entre o indivíduo e a massa; e como a massa, por seu turno, se relaciona com o governo. Contrapõe a experiência de Cuba com fenômenos que ocorrem no capitalismo, no qual alguns políticos conseguem uma passageira mobilização das massas, cuja duração é igual à vida desse líder ou até o fim das ilusões populares imposto pelo rigor do capitalismo. Dentro deste rigor é que está “o cordão umbilical invisível”, a lei do valor. No capitalismo, as mercadorias adquirem autonomia e passam a reger-se por leis próprias. Essas leis é que governam o mundo do capital, submetendo tudo e todos a ele.
Na construção do socialismo, o indivíduo tem uma dupla existência: “ser único” e “membro da comunidade”. Mais simples é reconhecê-lo na sua qualidade de não feito, inacabado. Há que se erradicar “as taras do passado” (p. 179). Tem lugar um processo duplo: (1) a sociedade atua com sua educação direta e indireta; e (2) o indivíduo se submete a um processo consciente de auto-educação. O passado que é preciso combater se constitui principalmente numa educação voltada ao isolamento do indivíduo e na influência das relações mercantis, onde a mercadoria enquanto célula econômica do capitalismo produz efeitos na organização da produção (estrutura) e, como consequência, na consciência (superestrutura).
Che Guevara alerta que, a partir de outras experiências socialistas, não se deve ser atraído excessivamente pelos caminhos do interesse material para impulsionar um desenvolvimento acelerado. Acrescenta que para “[...] construir o comunismo, paralelamente à base material tem que se fazer o homem novo” (p. 180). É preciso desenvolver uma consciência, na qual os valores adquiram categorias novas. A educação das massas se dará por meio do aparato educativo do Estado (cultura geral, técnica e ideológica), ou seja, para Che, a “[...] educação penetra nas massas e a nova atitude preconizada tende a converter-se em hábito; a massa vai incorporando-a e pressiona quem ainda não se educou” (p. 181). Assim o indivíduo se auto-educa, adquirindo gradativamente maior consciência da necessidade de sua incorporação à sociedade, inserindo-se também como motor da mesma.
O papel da vanguarda (Partido, operários mais avançados e homens da vanguarda) é guiar as massas em estreita comunicação com elas. A vanguarda é ideologicamente mais avançada. A massa conhece de maneira pouco suficiente os novos valores, daí que deva estar submetida a “estímulos e pressões de certa intensidade”: é a ditadura do proletariado, exercida não apenas sobre “a classe derrotada, mas também individualmente sobre a classe vencedora” (p. 182).
O êxito total do processo de construção da nova sociedade depende da aplicação de mecanismos que são as instituições revolucionárias, sendo a institucionalização “um conjunto harmônico de canais, escalões, comportas, aparatos bem azeitados [...]” que permite a seleção daqueles que serão a vanguarda, bem como da concessão de prêmios aos que cumprem e castigo aos que atentam contra a sociedade em construção. A institucionalização ainda não foi alcançada. É preciso não se separar das massas e sempre ter em mente que a última e mais importante ambição revolucionária é libertar o homem de sua alienação (p. 182).
Para Che, ainda que pareça “padronizado”, o homem no socialismo é mais completo. Embora não exista um mecanismo perfeito para tal, sua possibilidade de “expressar-se e de influir no aparato social é infinitamente maior”. Aqui Che Guevara reforça a necessidade de uma educação ideológica no mesmo passo de uma educação técnica de natureza social. A tarefa de construir o socialismo acaba se constituindo sobre o aparato produtivo do capitalismo, daí a necessidade de uma educação técnica para manejar máquinas, métodos de direção (gestão), saúde, educação etc.
Contudo, como no socialismo a “mercadoria homem” deixa de existir, cessando a obrigação “penosa” de apenas trabalhar para reproduzir-se, o homem passa a vislumbrar sua obra magnífica no trabalho realizado. Compreender que está livre do trabalho penoso pago apenas para satisfação de suas “necessidades animais”. Agora o trabalhador saberá que “[...] uma parte de seu ser em forma de força de trabalho vendida” é sua própria emanação, seu dever social que se cumpre como uma contribuição social à vida comum. A educação ideológica é que conduzirá o novo homem a reapropriação de sua própria natureza por meio do trabalho liberado e “[...] a expressão de sua própria condição humana através da cultura e da arte” (p. 183).
Com relação à cultura e a arte, Che Guevara, depois de criticar o artista e a arte na sociedade capitalista – onde apenas talentos excepcionais criam sua própria arte – passa também a criticar a arte praticada nos outros países socialistas, sobretudo o chamado “realismo socialista”. Assevera que o combate ao “individualismo” da arte no capitalismo nos países com “processo similar” ao de Cuba acabou por fazê-los adotar um “dogmatismo exagerado”, com a formação exata da natureza como ápice da aspiração cultural. Assim, a realidade social tornou-se uma “representação mecânica da realidade social”: a tentativa de se criar uma sociedade ideal sem conflitos e contradições (p. 185).
Para Che é preciso que o revolucionário seja ousado: o novo homem deve ser criado por métodos diferentes dos convencionais, pois os convencionais sofrem a influência da sociedade que os criou. A adoção do “realismo socialista”, oriundo do realismo do século XIX, impossibilita uma genuína pesquisa artística, pois reduz o problema da cultura geral a uma apropriação do presente socialista e do passado morto. O capitalismo já deu tudo de si em termos culturais: nada resta a não ser o “[...] anúncio de um cadáver fedorento; em arte, sua decadência de hoje” (p. 186). Então pergunta Che “[...] por que buscar nas formas do realismo socialista a única receita válida?” (loc. cit.). Indica que é preciso desenvolver um mecanismo ideológico e cultural que permita a pesquisa, destruindo a “erva daninha” que se alastra no terreno da “subvenção estatal”.
A juventude e o Partido Comunista têm papel destacado na sociedade cubana. A primeira apresenta o material com plasticidade para se modelar o homem novo. Em Cuba, a educação pressupõe uma integração com o trabalho logo no começo (trabalho físico nas férias ou simultaneamente com os estudos). O Partido, por seu turno, constitui a organização de vanguarda: seus quadros são exemplos vivos de labor e sacrifícios e devem conduzir as massas até o fim da tarefa revolucionária. Che enaltece também o papel desempenhado pela personalidade, o homem como indivíduo dirigente das massas que fazem a história: “O indivíduo em nosso país sabe que a época gloriosa em que lhe é dado viver é de sacrifício, conhece o sacrifício” (p. 188).
Para Che, o amor guia o verdadeiro revolucionário. Sua carga de sacrifícios (não acompanhar a família: mulher e filhos; a privação dos amigos pessoais etc.) o fazem direcionar este amor aos povos e às causas mais sagradas. Um amor à humanidade transformado em fatos concretos. Guevara defende o internacionalismo proletário como um dever e uma necessidade revolucionária. Assegura que o povo cubano é dessa forma educado, pois é um povo que está na cabeça da América, uma:
“[...] imensa multidão que se ordena; sua ordem corresponde à consciência da necessidade dela; já não é mais uma força dispersa, divisível em mil frações projetadas no espaço como fragmentos de granadas, procurando apenas alcançar, utilizando-se de qualquer meio, numa luta travada contra seus semelhantes, uma posição ou algo que dê uma segurança diante de um futuro incerto” (p. 190).
Uma infinidade de sacrifícios se impõe ao povo cubano. Para Che, é o preço que Cuba deve pagar pelo feito heróico de se constituir uma vanguarda como nação.

17. O que deve ser um jovem comunista

Che Guevara afirma que a juventude tem que ser criativa. Critica a União de Jovens Comunistas de Cuba, cuja direção é respeitosa, dócil e com pouca iniciativa para colocar seus próprios problemas. Assume que a juventude e os dirigentes padeceram da doença do sectarismo, que não durou muito, mas atrasou o desenvolvimento ideológico da revolução. O sectarismo teria conduzido: “à cópia mecânica, a análises formais, à separação entre os dirigentes e as massas” (p. 192).
Como os dirigentes não conseguiram captar a voz do povo (mais sábia e mais orientadora), como poderiam dar diretrizes à União de Jovens Comunistas – UJC? Guevara propõe que se analise e promova uma limpeza nos organismos. Ressalta que a falta iniciativa própria é devida ao desconhecimento da dialética que move os organismos de massa. Órgãos como a UJC não podem ser apenas órgãos de direção (emitindo diretrizes), mas também de canal de comunicação das massas. Um canal de retorno que possibilite um duplo e constante intercâmbio de experiências, de idéias e de diretrizes.
Guevara critica também certa falta de compromisso da juventude comunista com o trabalho. A atitude de vanguarda é o exemplo vivo que comove e impulsiona a todos para o compromisso maior que é a construção da sociedade socialista. Não basta apenas pensar e se envolver no sacrifício, no combate, na aventura heróica, mas também no trabalho quotidiano. Para Che, quem é “[...] medíocre no trabalho ou menos que medíocre no trabalho, não pode ser um bom comunista” (p. 194). Quem assim se comporta conserva ainda a mentalidade capitalista, na qual o trabalho é um dever, é uma necessidade, “[...] mas um dever e necessidades tristes” (p.195). Assume que os dirigentes cubanos ainda não foram capazes de unir o trabalhador com o objeto de seu trabalho e fazer do trabalho um ato criativo quotidiano, algo novo.
Esquematicamente, um jovem comunista, para Guevara deve ter ou ser:
• A honra de ser um Jovem Comunista;
• Um grande senso de dever para com a sociedade em construção (com os semelhantes e todos os homens do mundo);
• Uma grande sensibilidade frente a todos os problemas (injustiça etc.);
• A iniciativa de colocar tudo aquilo que não compreenda (discutir e pedir esclarecimento);
• Declarar guerra a todo tipo de formalismos;
• Estar aberto a novas experiências para pensar – todos e cada um – como transformar a realidade, como melhorá-la;
• Ser o primeiro em tudo, ou seja, estar entre os primeiros (grupo de vanguarda);
• Ser um exemplo vivo, o espelho para outros companheiros que não pertençam à Juventude Comunista;
• Ter um grande espírito de sacrifício, não apenas para as jornadas heróicas, mas para todos os momentos;
• Ser essencialmente humano: aproximar-se do melhor do humano;
• Purificar o homem por meio do trabalho; do estudo; da prática contínua da solidariedade com o povo cubano e demais povos do mundo;
• Praticar o internacionalismo proletário, consciente de que “[...] os aspirantes a comunistas [...] em Cuba” (p. 198) são o exemplo real para a América e os outros povos do mundo.

18. Reforma Universitária e Revolução

Pra Guevara, um dos grandes deveres da universidade é implantar suas práticas profissionais no seio do povo. Para tal, postula a ajuda orientadora e planificadora de um organismo estatal vinculado diretamente ao povo. Questiona o papel do Estado em impor carreira, desrespeitando a vocação do estudante. Ainda que se viva uma ditadura (do proletariado), pergunta se não seria a mesma ditadura de antes com vestibulares ou pagamento de matrículas, o que também limitava o acesso à universidade. Adverte que a integração da universidade com o governo não deve provocar reações.
Contudo, tal integração mais sólida com o governo significa a perda de autonomia da universidade, que é necessária à nação inteira. Conjectura que o governo pode criar de um “Instituto Técnico de Educação Superior” para formar os profissionais que necessita, imaginando que a universidade pode se tornar rival dessa nova instituição, pensando ter o monopólio de algo que não se pode monopolizar. Ou seja, monopolizar a cultura que patrimônio do povo.
Para Che, a luta entre membros de organismos de escolas técnicas (segundo ele com “grau de cultura em geral menor”) e da universidade é reflexo da luta de classes, ou seja, “[...] da luta entre uma classe que não quer perder seus privilégios e uma nova classe ou conjunto de classes sociais que estão tentando adquirir seus direitos à cultura” (p. 201).
Guevara critica também aqueles que postulam uma reforma universitária com base em modelos do passado. Defende que a reforma universitária seja feita com o olhar para frente, assim como o governo fez a Reforma Agrária, a reforma fiscal, a reforma alfandegária e que está empenhado na industrialização do país. O próprio campesinato de Cuba necessita de técnicos para concretizar a Reforma Agrária. Segundo Che, ao invés da universidade fornecer os técnicos que acompanhem a marcha do povo, ela se vê envolvida com “[...] lutas intestinas e discussões bizantinas que destroem a capacidade destes centros de estudos de cumprir com o seu dever do momento” (p. 203). Adverte então que o governo revolucionário não “[...] tenta ocupar ou vencer uma instituição que não é sua inimiga, mas que deve ser sua aliada e mais íntima colaboradora”.

Texto fichado por Romulo Cabral

(Lucimar Simon)

domingo, 4 de julho de 2010

Texto: MARX E A DISCUSSÃO SOBRE A ALIENAÇÃO NA BUSCA FILOSÓFICA DE CHE GUEVARA

TEXTO: MARX E A DISCUSSÃO SOBRE A ALIENAÇÃO NA BUSCA FILOSÓFICA DE CHE GUEVARA

ROHAN

Trata-se de uma discussão sobre como levar adiante a Cátedra Livre Che Guevara na Universidade Popular Madres da Praça de Maio e um dilema: De um lado transformar a cátedra num espetáculo trazendo gente de fora, palestrantes renomados de esquerda. O que significaria uma perca de discussão já que os alunos inevitavelmente assumiriam posições passivas na condição de meros espectadores. De outro, que quem curse a universidade não venha simplesmente observar um espetáculo, que se possa trabalhar o assunto ao longo de todo o ano. Isto é um pouco mais difícil e arriscado, pois, implica maior perseverança, confrontar-se com textos as vezes nada fáceis, sem tempo para ler-los ao longo da semana e cansados do trabalho.

Em relação ao dilema optou-se por mesclar as duas possibilidades. Trazer gente famosa, convidados e convidadas, mas também ler, discutir e aprofundar coletivamente. Estudar definitivamente o que pensou e escreveu Che Guevara. Apesar de parecer pouco atrativo em relação a escutar uma grande celebridade é um desafio a todos que ao final do ano se tenha realmente discutidos os textos de Che. Nossos pensamentos convergem na necessidade da Universidade ser rigorosa e o rigor implica em estudo. Che era um grande estudioso e uma pessoa muito rigorosa. Tratemos de seguir seu exemplo em nossa vida cotidiana.

Alguns companheiros questionam: filosofia de Che? O que um revolucionário prático tem a ver com teoria? Não estamos de acordo com tais opiniões muito difundidas, não só na gente que pertence ao sistema capitalista, mas na gente que contraria esse sistema. Há uma concepção de que aquele que se dedica a estudar dentro das idéias revolucionárias, não é um verdadeiro revolucionário. Nesta concepção um verdadeiro revolucionário tem que ir a prática sem que essa prática deva estar abonada por um pensamento teórico. Uma idéia nefasta e muito perigosa que nos causa muito dano.

Che estava totalmente contra essa opinião, vejamos por quê: O anti-intectualismo tem conseqüências muito complicadas para a luta política. Pois, ao desprezar o estudo e ao menosprezar a teoria, acaba-se crendo em discursos que não tem solidez, que não tem uma perspectiva revolucionária, que em último caso jogam totalmente a favor do sistema. Um exemplo de tal discurso é o de Toni Negri ao afirmar que não existe mais imperialismo ou outros que afirmam ser necessária a união com “bons militares” para a tomada do poder.

Tais pensamentos só sobrevivem ainda hoje porque há, de maneira geral, um desprezo muito forte pela teoria. Somente superando esse obstáculo se conseguirá contrapor-se a hegemonia do inimigo. O próprio Che recomendava aos jovens e as jovens cubanas que estudassem. Apesar de suas tarefas na condução do processo revolucionário, de sua condição de ministro, este coordenava dois grupos de estudo. Num deles estudava matemática e estatística e noutro o capital de Marx.

Apesar de não ser filósofo, Che realizou discussões a respeito do pensamento de Marx. Os indícios dessas discussões podem ser observados numa carta enviada por Che a Armando Hart Dávalos em 04 de dezembro de 1965. Na carta, Che faz uma crítica de como o estudo da filosofia marxista se oficializou na URSS, na China e a na própria Cuba revolucionária. Faz então uma série de sugestões de como o estudo deveria ser implementado, de maneira alternativa, vinculado ao estudo da economia marxista. Para Che, andavam juntos: o estudo da economia, com o estudo da política e o estudo da filosofia. Um dos pressupostos teóricos de Che também presente na obra de Antonio Gramisc, Lukács e outros pensadores é pensar a sociedade em sua totalidade. O marxismo de Che se opõe a pensar o capitalismo e sua eventual superação revolucionária a partir de fatores isolados, defende, pois, uma visão totalizante.

Na sua correspondência com Hart, acreditava que era necessário um plano editorial específico para os cubanos, na medida em que todo o material estudado naquela época era oriundo dos comunistas franceses que por sua vez eram seguidores da União soviética. Sua crítica principal a esse tipo de marxismo era sua total desvinculação da história. Sendo um ladrilho pesado, quadrado e sem história. Orienta então a estudar a história para compreender a gênese do marxismo começando pelos Gregos.

Nessa época, anos 60, Che orienta a estudar Stalin. Somente os comunistas Chineses reivindicavam Stalim, pois, os da URSS haviam deixado de ser Stalinistas e adotado a política da “coexistência pacífica”. Tal política significava frear todas as revoluções no ocidente ou pelo menos não apoiar processos revolucionários que ocorressem na área de hegemonia norte-americana. Em seu plano Che orienta também ao estudo de Leon Trotsky. Este nem os Chineses e tampouco os soviéticos queriam estudar.

Como entender este plano de Che?

Por um lado Che planta a crítica a cultura política e teórica oficial da União Soviética, do qual eram fiéis seguidores os comunistas franceses muito difundidos em Cuba e de outro, ao dizer ser necessário estudar Leon Trotsky, Che se liberta das posições chinesas, latino-americanas e européias, criando outra via alternativa. Che não se sentia satisfeito com a cultura oficial do marxismo desse momento, se sentia incômodo. Estava numa busca que desse conta da realidade vivida naquele momento. Algo não encontrado nas posições soviéticas e chinesas.

“Em outra carta, dirigida ao semanário “Marcha”, Che polemiza e realiza uma série de observações políticas:“ È certo como diz a direita, que o socialismo oprime o indivíduo? È certo que, como dizem os conservadores, que para os marxistas o Estado é tudo e o homem és nada? È certo que Fidel Castro é um ditador e um burocrata? Temas que se represem hoje em dia já naquela época estavam em discussão. Che não se furta do debate e respondem todas essas questões e em relação a Fidel, diz que nem é um ditador nem um burocrata e sim um dirigente revolucionário. Che demonstra seu programa quando, distanciando-se de todo o pensamento marxista tradicional, seja ele soviético ou chinês, afirma que a principal tarefa da revolução não é o desenvolvimento das forças produtivas.

Que são as forças produtivas?

Na visão tradicional do marxismo, forças produtivas seriam o desenvolvimento da tecnologia e dos instrumentos de trabalho que permitam ao ser humano e a sociedade o domínio da natureza. Tal visão nem é mesmo a visão de Marx para o qual forças produtivas nada mais são do que a própria classe revolucionária.

Para o marxismo oficial a principal tarefa das revoluções é promover o desenvolvimento das tecnologias e dos instrumentos de trabalho para poder dominar a natureza e o principal obstáculo a isso é as relações de produção, que no capitalismo se expressam juridicamente a partir da propriedade privada. Romper com a propriedade privada seria, nessa visão, a principal meta dos revolucionários.

Guevara, indo de acordo com o que prega Marx em Miséria da Filosofia, entende que apesar da importância que tem o desenvolvimento da tecnologia a principal tarefa das revoluções é a libertação do homem e da mulher. A busca final está na classe revolucionária e não na tecnologia, apesar desta última ser imprescindível ao desenvolvimento de qualquer país. Não interessava a Che o comunismo meramente econômico se ao mesmo tempo não houvesse libertação do ser humano. A meta é libertar o ser humano de sua alienação.

No final de sua viagem ao Congo, antes de passar na Bolívia, Che entra em contato a filosofia de Hegel, elaborador do que conhecemos por “dialética”. Dialética é uma metodologia e uma teoria baseada nas categorias de “totalidade concreta”, de “contradição”, “sujeito” e de “mediação”. Para a dialética não se pode entender a sociedade à margem dos sujeitos e suas relações. A dialética de opõe a toda forma de positivismo, culto aos heróis e a toda a forma de entender a sociedade de maneira estática e imóvel. A dialética segundo Marx é “um método crítico e revolucionário” pois insiste no caráter histórico –transitório e superável- de toda a realidade, mesmo as que aprecem muito poderosas como o próprio capitalismo.

Che sabendo da influência que teve Hegel na obra de Marx e observando inclusive que alguns conceitos marxistas são importados da obra de Hegel, passa o ler diretamente.
È foco do estudo o conceito de alienação, que nasce com um viés econômico, oriundo do direito romano e é transmudado para um viés psicológico por Hegel, para definir aquele que deixa de ser uno para ser outra pessoa.

Uma série de textos de Marx intitulada manuscritos de 44 ficaram longo tempo sem serem explorados, iniciando-se seu processo sistemático de discussão a partir de 1960. Tem influência nesse processo a corrente da teologia da libertação que dominou parte da Igreja francesa e muitos teólogos influenciando da América Latina, que passaram a buscar em Marx respostas para os problemas sociais. As publicações de teólogos da Igreja Católica a respeito de Marx foram muito influentes para a intelectualidade do período.

Tais teólogos diziam que os Manuscritos de 44, em especial o fragmento que trata do trabalho alienado, confirmam de algum modo a cristã do mundo e da vida. Porque aí Marx dizia, segundo eles, que o ser humano e a sociedade contemporânea estão alienados, portanto perdido em si mesmo. A perdição segundo os teólogos seria o pecado. No final da história para Marx haveria a revolução comunista, que consiste em superar a alienação e na recuperação da essência humana perdida. Os pensadores cristãos em contraparte viam no fim o juízo final: varrer o pecado e recuperar o havia sido perdido. Essa é uma ótica de uma Igreja Cristã progressista. A Igreja oficial argentina, tampouco João Paulo II aceitariam tais analogias.

O trabalho alienado de Marx permite diferentes leituras, sejam elas cristãs liberais ou socialdemocratas. Essas são apropriações ou intentos de apropriações posteriores ao próprio Marx. Outro que pensava Marx e teve muita aceitação na América Latina foi Louis Althusser, traduzido por Marta Harnecker. Louis simpatizava com a visão de marxismo dos chineses. Dizia que dizia que a concepção de trabalho alienado que e de essência humana que estava sendo utilizada era pura ideologia. Segundo ele, tais conceitos não pertenciam a Marx e sim a pensadores anteriores. Não vamos encontrar a palavra essência humana nos escritos de Marx maduro (pensa Althusser). Logo, ele chegou a conclusão de que a categoria central ,ao redor do que gira todo o texto e o discurso do jovem Marx, não era marxista.

Sustenta Althusser que o humanismo é uma ideologia burguesa, da direita, não sendo uma ideologia revolucionária. Tais concepções serão re-utilizadas por Toni Negri por volta de 2002. Althusser escreveu um livro em 1965 e neste critica todos os pensadores que não estão afinados com sua linha de pensamento e alguns dirigentes de países de terceiro mundo os chamando de esquerdistas. O autor critica não os de direita, mas a esquerda e a todos os humanistas assim como Che.

A alienação é a perca de algo. Perde-se algo específico a um ser humano, que é capaz de distingui-lo de qualquer outro animal, sua capacidade de ser livre, de criar, que de reproduzir o mundo a imagem e semelhança do homem, transformando a natureza. Esta atividade livre e criativa é o trabalho. Não o trabalho tradicional sob o julgo do patrão, no qual a música que marca o ritmo pertence ao capital e sim o trabalho livre.

Alienação que é a categoria central de todo o texto de Che “O socialismo e o homem em Cuba” seria o processo mediante o qual o ser humano perde algo. Isso que é perdido torna-se independente do ser humano, cobrando autonomia, passando a reger-se por suas próprias leis e volta-se hostil, contrário. O ser humano que é verdadeiro sujeito torna-se um objeto. O que é objeto se transforma em sujeito e passa oprimir seu verdadeiro criador. Por isso a crítica de Che ao socialismo mercantil. Todo isto: o mercado, o capital, o estado são produtos do ser humano. Este estado que nos reprime, é um produto das relações humanas. Não é algo mágico. È um estado que escapou do nosso controle, que cobrou independência, que serve a outra gente, a outras classes e que é completamente hostil a nós outros.

Desta maneira Che apropria-se da categoria de alienação e da crítica humanista de Marx ao capitalismo. Contrariando todas as correntes de direita e esquerda de sua época. Por isso que Sanchez Vasquez sustenta que a reflexão de Che é realmente original e um dos grandes aportes ao marxismo mundial. Não é exagero. A proposta de Che vai à contramão de todas as grandes tendências da época.

(Lucimar Simon)